quinta-feira, 19 de março de 2015

Decidi jogar bola

Em 1964, a maioria pensou que a permanência dos militares seria efêmera. (Agência Brasil)


Pleno domingo. O barulho vinha das panelas, não de arquibancadas. A multidão caminhava nas ruas e não tinha como destino final o estádio. O adversário não nutria respeito algum para com o oponente. Em vez de abnegação, foco e raça, era o ódio o sentimento que corria pelas veias das gentes que marchavam em vias públicas no Brasil. Não havia, ali, nenhuma demonstração de aceno para conciliação e para compreendimento.

Precisava ser assertivo. Tomar partido, diante daquele transe coletivo. Nunca desfilaria acompanhado de Jair Bolsonaro, Coronel telhada, seus iguais, seus ideais. Embora o atual governo pratique políticas indefensáveis. Apesar de também haver reivindicações válidas por entre os cartazes. Nunca gastaria sola de sapato na saliva ácida de viúvas de uma Ditadura Militar que deixou 434 mortos e desaparecidos. Mau fui capaz de fatigar minhas retinas com a cobertura - ou apologia? - na TV.

Aquela cólera toda acabava por me combalir. Intervenção militar, ir à Cuba, impeachment. As críticas sem profundidade endereçadas aos manifestantes, de forma geral, também não me apaziguavam. O rubor que a tensão causava era um mau a ser expurgado, democraticamente. Era preciso vomitar aquela bílis. E a cerimônia tinha que acontecer no mesmo domingo, dia 15: dia do "Eu vou" - ou do "Não Vou".

Decidi, portanto, jogar futebol. Puxava o ar, partia em corrida, com ambição lacerdista. Ao perder a bola, vociferava impropérios udenistas. Quando me encontrava cercado pela marcação, tinha segundos de exílio, incomparáveis aos anos de sombras pelos quais passaram líderes sociais e políticos até a anistia e a reabertura. Tendo o placar sido alterado ao nosso favor, curtia instantes da cena na qual os adversários "sangravam", verbo usado, inapropriadamente, por Aloysio Nunes, às vésperas do protesto.   

Quando levava um corte ou errava na marcação, suspirava á la janguistas. Ao recuperar a bola e partir para o contra-ataque, exibia um peito inflado e a certeza no sucesso dos prestistas. Para delimitar (extremas) fronteiras, vale ressaltar que tudo foi feito sob a cadeia da legalidade. Diferentemente de militares e da UDN de ontem. Deferentemente de alguns golpistas travestidos de liberais dos dias de hoje. Uma coisa correr atrás da bola ensina: para haver jogo, é necessário quórum e adversário. Não nos cabe liquidar, trucidar, eliminar concorrentes.


Por Helcio Herbert Neto.                                                                 

Um comentário:

  1. Essas hienas não aprenderam por que nunca quiseram sentem saudade de como as coisas eram e ainda querem influenciar os menos instruídos e manobráveis. A direita sempre foi golpista e não tem capacidade para fazer o jogo democrático o que querem sempre é no máximo estarem travestidos de liberais, quando são apenas golpistas.

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