sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

No dia que eu morri


Um estrondo e fim. Mentira, ainda foi possível ver uma labareda envolvendo a minha cabeça. Nem deu tempo para me desesperar. Já não era mais eu. Tudo em volta não tinha a configuração usual, o mundo amistoso virou, de uma hora para a outra, uma relva tropical de animais hostis. Na atitude pueril de quem crê, o paraíso era bem diferente. Pensei em festa, como sempre foram os dia felizes. Pensava em futebol, em comunhão de povos. Os sete anos seriam longos o bastante para mudarmos. E o que me ocorre é que foi na carne da esperança que esse verme se criou. 

De todas as coisas que cresceram desde lá, a maior foi a expectativa. De súbito, passamos do ceticismo do alcoólatra comendo torresmo no botequim para o ativismo de quem gasta a sola do tênis em manifestações violentas. A mudança já estava na rua: com os protestos, o trânsito ficou mais intenso. Engarrafamentos. Não pensávamos nisso em 2007. Vislumbrávamos estádios em dias de sol, uma taça que reluz. Éramos menos acintosos. Menos presunçosos, pois. Índios que sambavam e bebiam caipirinha. Quisemos ser grandes e aumentamos nossa pequenez. 

Foi da megalomania que tudo surgiu. Como um toxicômano tropeçante, éramos belos no espelho e doentes aos olhos dos sóbrios. Pusemos um milhão de crianças de prontidão, rasgamos as avenidas Paulista e Presidente Vargas pelo amanhã frutífero. Conseguiríamos, somos o centro do mundo. Mais prepotência, mais elegância. Trajamos preto e quebramos símbolos. Matávamos, aos poucos, a nós mesmos. No vício. Hoje vi todos nós marchando, como eles. Em fúria, como eles. Somos ele, apesar da trincheira que nos divide. 

Rudes e impacientes, íamos, sempre após os afazeres, beijar nossas esposas e ver televisão. Todos sós. Pelo menos acabou. Limpo a testa com a mão direita e noto que o que escorre da minha têmpora não é o sangue e sim o azeite viscoso da sudorese. Meu nome não o mesmo que aparece nas manchetes dos portais da internet. Aliás, ele ainda luta pela vida. Eu não. Não desfilo minha luta nesse passeio público, onde os fortes exibem um banquete na frente de pobres raquíticos, bondosos. Quero somente o silêncio, para dormir.

Por Helcio Herbert Neto.                                                                 

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