quinta-feira, 28 de novembro de 2013

É nosso.

"A razão estética habilita o sujeito para que se concebam mundos não apenas a partir de e/ou sobre esquemas referenciais, mas, a partir de e sobre a experiência da presentificação do que existe, do ser-aí, da história efeitual e da desrealização dos limites estabelecidos pelas formas tradicionais de racionalidade." (Marcos Villela Pereira, Licenciado em Filosofia, Doutor em Educação, Pesquisador do CNPq, Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS). 

"Nada está parado, tudo se move, tudo vibra". (Hermes Trimegistus).

"A Química não é o estudo da matéria; é o estudo da transformação" (Walter White, protagonista da série de TV norte-americana Breaking Bad, criada por Vince Gilligan).

Foram três anos, mas foi mais do que isso. Foi uma completa remodelação, uma reconstrução, um nascer outro. Muito pouco ou quase nada do que havia materialmente ali restou. "Perdeu a alma", ouvi. Nunca acreditei. Quando estive de volta pela primeira vez, me senti estranho, desconfortável, sem saber se era a mente apavorando o que não era mesmo velho ou simplesmente a constatação de que alguma coisa morrera. Mas mesmo naquele estranho dia, os movimentos singulares daquele microcosmo sinalizaram que havia pulso. Elias fez o gol de empate nos derradeiros minutos no Flamengo x Botafogo pelo primeiro turno do Campeonato Brasileiro.

Houve um tempo, um bom tempo na minha vida em que atribuí a ocultismo, superstição, religiosidade e até a ingenuidade os fenômenos inexplicáveis que parecem governar o universo numa profunda imbricação de caos e complexidade, às vezes oferecendo a certeza de que só o acaso legisla, outras sugerindo que haja destinos escritos. Mas algo sempre derrapou de minhas teorias e era justamente aquela dimensão da existência para a qual decidi canalizar minha irracionalidade: o futebol e, mais especificamente, o Flamengo. Não vou dizer que fui sempre fiel a essa escolha, porque houve épocas em que, tentando organizar o raciocínio sobre a minha vida, perdi de vista a dimensão do sagrado que existia nela. Hoje saí do armário filosófico e posso afirmar sem medo de errar que o Flamengo é sagrado.

Sagrado, mas não o termo em sua forma vulgar, como corações-de-marias ou sangues-de-cristos, mas como aquilo que se oferta, com respeito e veneração, ao desconhecido. Veneração pelo desconhecido. Conhecendo bem o Flamengo, ainda desconheço-o. Esquadrinho-o, enquadro-o o tempo todo em esquemas e padrões de comportamento, tento enxergar ordenamento em seus movimentos. Mas a razão não dá conta, então deixo o caos se infiltrar por cada nanoporo e por cada partícula subatômica que se movimenta dentro daquele anel monumental, em torno daquela grama. É tão óbvio, está tão claro que irrita não ter um nome para dar.

Dezenas de milhares de pulmões e laringes e timos vibrando em uníssono tantas vezes, por tanto tempo, construíram alguma coisa. É quase concreto. Ninguém vê, ninguém tem um nome para dar, mas as manifestações do fenômeno são óbvias demais para qualquer cientista negar-lhe a existência. Ali, quando é com a gente, a bola às vezes encontra sozinha o seu caminho para a rede.


Ontem à noite, uma metamorfose se consumou finalmente. Não foi a matéria que mudou; foram, alquimicamente, os seres que se transformaram em sua dimensão intangível. Na dionisíaca experiência estética de ontem à noite, entre as linhas dos trens e o leito do rio, a magnética torcida do Flamengo terminou de desfibrilar seu templo e sua casa.


O Maracanã, em 2013, foi levantado de seu sono profundo por aqueles que, historicamente, assinaram seu projeto quântico no CREA do cosmos. Ontem, mágico, assombroso, sagrado, de novo ele foi nosso.

Por Bruno Passeri.





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