domingo, 6 de outubro de 2013

Labuta

Flamengo e Vasco empataram em 1 a 1 hoje, em Brasília: vida dura de torcedor(Marcelo Sadio/vasco.com.br)

Nem calcanhar rachado nem calos nas mãos. Da labuta diária, o único resíduo que se nota quando fora dos momentos de trabalho é o sorriso no canto do rosto. Caminha pelas ruas, vê as coisas da vida passarem em ritmo acelerado de internet, clica nos dias do calendário, tudo enquanto aguarda a tarefa que o espera  arar a terra, enterrar a semente e regar o canteiro. Pois assim são os dias de quem é completo e sabe disso: já que há os que sonham com ventos que não sopram e paraísos onde não se pode pisar. Logo, não são plenos em matéria, só em pensamento. Aguardam o ideal e não tateiam o próprio prazer do mal-hálito de uma manhã alegre, simplesmente.

Não é fácil cobrir o dorso com o manto após o dia de trabalho. Os sóbrios questionarão. Qual motivo tira o corpo da inércia e o faz caminhar dentro da roupa úmida até uma edificação monstruosa de concreto? O que quebra a preguiça e a comodidade da poltrona e tensiona os músculos da face em expectativa, derrota e vitória, em uma tarde de domingo, noite de sábado ou madrugada de quarta-feira? Com o sorriso dos embriagados e o aroma do desleixados ele vai bradar.

Porque eu te amo; onde estiver, estarei; ninguém cala esse nosso amor; e por você a noite inteira eu vou cantar. Por cima dos alicerces morais, dos percalços sociais ou vinganças políticas. Não adiantaria descansar em casa ou aproveitar o tempo com outras companhias, fazendo-se de desentendido.Porque é dessa ética laboral que brota o pacto único em suas multiplicidades e singular em suas pluralidades. Diversa e conturbada, assim deve ser a felicidade do humano  Real.

Não é motivado somente pelas idiossincrasias dela,  comum, amável, apaixonante e especial  que se torna necessária a peleja. É por mim e por ele, que agora entoa um canto puxado por um desdentado ao seu lado ou por uma facção criminosa. Enquanto houver trabalho a ser feito e intenção de convivência ali estará ele, diante do Sol, ou da água dos céus. Embora nem sempre de risadas e glórias seja aquela relação, é preciso ali estar, vivo e disposto ao que o jogo lhe servir no fim.

Quem despercebido for poderá não encontrar relação entre a inspiração maior dos poetas e a tarefa remunerada de qualquer um. Eu mesmo, assumo, não notara essa conexão até ser alertado por um amigo, com cheiro de vinho de loja de conveniência. De tão ébrio, nada entendi naquela madrugada que, sentada no meio fio, demorou menos a passar do que a ressaca do dia seguinte. Só após o raiar da manhã e metabolizar o álcool que compreendi a lição.

E todo o mundo fora daquele monstro urbano de cimento haverá de rir da imbecilidade daquele que comunga do assento duro, dos sofrimentos impalatáveis e das verdades que, em algum momento, terão de ser ditas. Em detrimento do prazer instantâneo do provolone à milanesa do botequim com pay-per-view, por vezes ele sente nos ombros um peso quase inclassificável. Respira fundo. O resultado pode virar até o fim do período. Ou no fim da temporada. De fato, por vezes acontece. Em outras, não.

Haverá dia seguinte, pois, sem marcas para recomeçar o labor, para enfrentar filas e olhares dos que, durante a espera por algo massivo e cinematográfico, abrem o jornal do dia seguinte e se queixam do palpável, possível. As respostas do cultivo serão tímidas, como um aceno, afago, olhar. Pódio cotidiano que só quem identifica no fomentar da paixão o sabor do ceifa terá facilidade de notar.


Por Helcio Herbert Neto.                                                                            

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