terça-feira, 6 de agosto de 2013

Quem calou esse amor?


Em 08 de agosto de 2007 - há praticamente seis anos, portanto - Botafogo e São Paulo fariam um jogo de arrepiar no Maracanã. Era a décima oitava rodada da quinta edição do campeonato brasileiro por pontos corridos, o tricolor era o atual campeão, havia conquistado Libertadores e Mundial menos de dois anos antes, tinha um time forte, um elenco encorpado e todos achavam, não sem qualquer razão, que era o bicho-papão da época, apesar do futebol chato e truncado do time dirigido por Muricy Ramalho. O Botafogo era dirigido por Cuca e jogava o futebol mais bonito do país havia alguns meses, tinha um time rápido, técnico, bem montado e arrojado como a maioria dos times de Cuca e fazia golaços atrás de golaços, muito em função da rara vocação para pinturas de seu avante, o polêmico Dodô. Foi naquele ano que ouvi pela primeira vez o cântico “E ninguém cala esse nosso amor”, um dos mais bonitos que havia escutado num estádio brasileiro até então. Naquele ano, a torcida do Botafogo parecia mobilizada. E não era para menos. Final de estadual, semifinal da Copa do Brasil, futebol vistoso e consistente, o ano prometia.

O Botafogo tinha assumido a liderança na quarta rodada, perdido para Vasco e Corinthians na quinta e sexta rodada, respectivamente, e depois retomado o primeiro lugar entre a sétima e a décima sexta rodada, quando perdeu o posto para o São Paulo. Naquele 08 de agosto, portanto, o São Paulo tentava completar a sua terceira rodada na ponta, enquanto o Botafogo tentava resgatar, jogando com o apoio de sua torcida, a posição que fora sua por onze rodadas.

O Botafogo entrava com Marcos Leandro, Juninho, Renato Silva e Luciano Almeida (Adriano Felício); Joilson, Túlio, Leandro Guerreiro e Lúcio Flávio (Ricardinho); Jorge Henrique (Alessandro), Dodô e André Lima. O São Paulo formava com Rogério Ceni, Miranda, Breno e Alex Silva; Reasco (Hernanes), Josué, Jorge Wagner, Leandro (Diego Tardelli) e Richarlyson; Dagoberto (Júnior) e Borges.

Com a expulsão de Túlio, o moral um tanto abatido pela eliminação trágica diante do Figueirense pela Copa do Brasil em pleno Maracanã dois meses antes, a carência de goleiro e a possibilidade de suspensão de Dodô por doping, o Botafogo não teve fôlego para impor seu jogo e perdeu por 2 x 0, gols de Alex Silva, aos 18 do segundo tempo, e Leandro, nove minutos depois. A partir dali, o São Paulo consolidou a liderança que manteria até o final da competição, sagrando-se bicampeão. O Botafogo despencou até terminar o certame em nono. E o segundo semestre daquele ano ainda reservou a eliminação vexatória na Copa Sul-americana para um combalido River Plate. O ano promissor acabara em decepção em todas as frentes. Guardou-se a bandeira, engavetou-se a camisa, fechou-se o peito.

O Botafogo atual é muito diferente. Naquela época, tinha chororô, hoje tem gol anulado do adversário. Naquela época tinha Lúcio Flávio, hoje tem Seedorf. Naquela época o goleiro entregava a rapadura a cada dois jogos, hoje é o melhor em atividade no país. Naquela época, não se aventava a titularidade de um garoto da base, hoje a espinha dorsal do time é composta por três veteranos (Jefferson, Bolívar e Seedorf) e três jovens identificados com o clube (Dória, Gabriel e Vitinho). Aquele era um time que encantava. Esse é um time que compete, que detesta perder, que supera dois meses de salario atrasado comendo grama em campo e que, ainda por cima, joga um belo futebol.


Algo parece ter mudado no Botafogo. Todos falam disso, todos notam. Menos a torcida do Botafogo. Eu sei que cachorro mordido por cobra corre até de linguiça e que não é a primeira vez que o Botafogo faz que vai, mas não vai. Dessa vez, entretanto, algo indica que pode ser diferente. Seedorf é boa parte desse “algo” porque é um jogador extraordinário e de caráter transformador. Dificilmente um time que contou com ele deixou de disputar os títulos mais importantes que estavam ao alcance. Uma administração menos estriônica do que os arroubos bebetanos e montenegrinos também respondem por parte do processo. A versão reload do Oswaldo de Oliveira também. O investimento nas categorias de base também. As boas ações do marketing do clube também. A torcida ainda não.

Provocações à parte, a torcida do Flamengo tem razão quando pergunta à do Botafogo em alto e bom som nas arquibancadas: “cadê você? Cadê você?”. O Flamengo titubeia, o Botafogo é líder inconteste, e mesmo assim o lado vazio da arquibancada é o de sempre. Cadê a torcida do Botafogo?

Esperar que tudo se encaixe para enfim se mobilizar não é oportunismo, é miopia. Porque talvez seja justamente a mobilização (salários em dia também não fariam mal algum) o elemento que falte para a coisa acontecer. Na brilhante vitória sobre o Vasco, no último domingo, parecia ter mais gente no setor destinado ao Botafogo do que no clássico contra o Flamengo. Essa gente pareceu cantar mais forte. O time ganhou e agradeceu com um belo gesto, provavelmente mais um capitaneado por Seedorf. É como se o craque pedisse ao time para reconhecer o esforço dos torcedores que venceram anos de feridas mal cicatrizadas para estar ali de corpo e alma. E como se, ao mesmo tempo, ele pedisse ao torcedor para acreditar no que vê.

Muito se compara o Botafogo ao Atlético Mineiro. Faz algum sentido. Esse ano, a massa atleticana acreditou. Apesar do vice no brasileiro passado, dos vexames seguidos contra o Cruzeiro, dos quarenta e tantos anos de fila, eles acreditaram. Mergulharam de cabeça, sem medo de nova desilusão. As coisas evidentemente não são tão preto no branco assim, ainda que assim queiram as cores das camisas dos dois times. As relações no universo nunca são tão causais. Em todo caso, convém não duvidar da mobilização apaixonada de uma massa.

O amor pede um salto de fé. A torcida do Botafogo precisa reabrir o peito, desfraldar de novo a bandeira e dar o pulo cego. Se a madrugada vai dar em muito ou dar em Sol, ninguém pode dizer. Mas é preciso amar como se cada jogo em si fosse o campeonato. Como se não houvesse amanhã. Porque na verdade não há.


Por Bruno Passeri. 

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