Em
08 de agosto de 2007 - há praticamente seis anos, portanto - Botafogo e São
Paulo fariam um jogo de arrepiar no Maracanã. Era a décima oitava rodada da
quinta edição do campeonato brasileiro por pontos corridos, o tricolor era o atual
campeão, havia conquistado Libertadores e Mundial menos de dois anos antes,
tinha um time forte, um elenco encorpado e todos achavam, não sem qualquer
razão, que era o bicho-papão da época, apesar do futebol chato e truncado do
time dirigido por Muricy Ramalho. O Botafogo era dirigido por Cuca e jogava o
futebol mais bonito do país havia alguns meses, tinha um time rápido, técnico, bem montado e arrojado como a maioria dos times de Cuca e fazia
golaços atrás de golaços, muito em função da rara vocação para pinturas de seu
avante, o polêmico Dodô. Foi naquele ano que ouvi pela primeira vez o cântico
“E ninguém cala esse nosso amor”, um dos mais bonitos que havia escutado num
estádio brasileiro até então. Naquele ano, a torcida do Botafogo parecia mobilizada.
E não era para menos. Final de estadual, semifinal da Copa do Brasil, futebol
vistoso e consistente, o ano prometia.
O
Botafogo tinha assumido a liderança na quarta rodada, perdido para Vasco e
Corinthians na quinta e sexta rodada, respectivamente, e depois retomado o primeiro lugar entre a
sétima e a décima sexta rodada, quando perdeu o posto para o São Paulo. Naquele
08 de agosto, portanto, o São Paulo tentava completar a sua terceira rodada na
ponta, enquanto o Botafogo tentava resgatar, jogando com o apoio de sua
torcida, a posição que fora sua por onze rodadas.
O
Botafogo entrava com Marcos Leandro, Juninho, Renato Silva e Luciano Almeida
(Adriano Felício); Joilson, Túlio, Leandro Guerreiro e Lúcio Flávio
(Ricardinho); Jorge Henrique (Alessandro), Dodô e André Lima. O São Paulo
formava com Rogério Ceni, Miranda, Breno e Alex Silva; Reasco (Hernanes),
Josué, Jorge Wagner, Leandro (Diego Tardelli) e Richarlyson; Dagoberto (Júnior)
e Borges.
Com
a expulsão de Túlio, o moral um tanto abatido pela eliminação trágica diante do
Figueirense pela Copa do Brasil em pleno Maracanã dois meses antes, a carência
de goleiro e a possibilidade de suspensão de Dodô por doping, o Botafogo não
teve fôlego para impor seu jogo e perdeu por 2 x 0, gols de Alex Silva, aos 18 do
segundo tempo, e Leandro, nove minutos depois. A partir dali, o São Paulo
consolidou a liderança que manteria até o final da competição, sagrando-se
bicampeão. O Botafogo despencou até terminar o certame em nono. E o segundo semestre daquele ano ainda reservou a eliminação vexatória na Copa Sul-americana para um combalido River Plate. O ano promissor
acabara em decepção em todas as frentes. Guardou-se a bandeira, engavetou-se a
camisa, fechou-se o peito.
O
Botafogo atual é muito diferente. Naquela época, tinha chororô, hoje tem gol
anulado do adversário. Naquela época tinha Lúcio Flávio, hoje tem Seedorf.
Naquela época o goleiro entregava a rapadura a cada dois jogos, hoje é o melhor
em atividade no país. Naquela época, não se aventava a titularidade de um
garoto da base, hoje a espinha dorsal do time é composta por três veteranos
(Jefferson, Bolívar e Seedorf) e três jovens identificados com o clube (Dória,
Gabriel e Vitinho). Aquele era um time que encantava. Esse é um time que
compete, que detesta perder, que supera dois
meses de salario atrasado comendo grama em campo e que, ainda por cima, joga um
belo futebol.
Algo
parece ter mudado no Botafogo. Todos falam disso, todos notam. Menos a torcida
do Botafogo. Eu sei que cachorro mordido por cobra corre até de linguiça e que
não é a primeira vez que o Botafogo faz que vai, mas não vai. Dessa vez, entretanto,
algo indica que pode ser diferente. Seedorf é boa parte desse “algo” porque é
um jogador extraordinário e de caráter transformador. Dificilmente um time
que contou com ele deixou de disputar os títulos mais importantes que estavam
ao alcance. Uma administração menos estriônica do que os arroubos bebetanos e montenegrinos
também respondem por parte do processo. A versão reload do Oswaldo de Oliveira também. O investimento nas categorias
de base também. As boas ações do marketing
do clube também. A torcida ainda não.
Provocações
à parte, a torcida do Flamengo tem razão quando pergunta à do Botafogo em alto
e bom som nas arquibancadas: “cadê você? Cadê você?”. O Flamengo titubeia, o
Botafogo é líder inconteste, e mesmo assim o lado vazio da arquibancada é o de
sempre. Cadê a torcida do Botafogo?
Esperar
que tudo se encaixe para enfim se mobilizar não é oportunismo, é miopia. Porque
talvez seja justamente a mobilização (salários em dia também não fariam mal algum) o elemento que falte para a coisa acontecer. Na brilhante vitória sobre
o Vasco, no último domingo, parecia ter mais gente no setor destinado ao
Botafogo do que no clássico contra o Flamengo. Essa gente pareceu cantar mais
forte. O time ganhou e agradeceu com um belo gesto, provavelmente mais um
capitaneado por Seedorf. É como se o craque pedisse ao time para reconhecer o
esforço dos torcedores que venceram anos de feridas mal cicatrizadas para estar
ali de corpo e alma. E como se, ao mesmo tempo, ele pedisse ao torcedor para
acreditar no que vê.
Muito
se compara o Botafogo ao Atlético Mineiro. Faz algum sentido. Esse ano, a massa
atleticana acreditou. Apesar do vice no brasileiro passado, dos vexames
seguidos contra o Cruzeiro, dos quarenta e tantos anos de fila, eles
acreditaram. Mergulharam de cabeça, sem medo de nova desilusão. As coisas
evidentemente não são tão preto no branco assim, ainda que assim queiram as cores das camisas dos dois times. As relações no universo nunca são tão causais. Em todo caso,
convém não duvidar da mobilização apaixonada de uma massa.
O
amor pede um salto de fé. A torcida do Botafogo precisa reabrir o peito,
desfraldar de novo a bandeira e dar o pulo cego. Se a madrugada vai dar em muito ou dar em Sol, ninguém pode dizer. Mas é preciso amar como se cada jogo em si
fosse o campeonato. Como se não houvesse amanhã. Porque na verdade não há.
Por Bruno Passeri.
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