sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Mano e a roleta-russa rubro-negra


Mano Menezes é um dos treinadores que mais gosto de ouvir falar sobre futebol no Brasil. Ele enxerga bem o jogo, mantém sempre a calma e evita a qualquer custo fazer bravatas e fanfarronices, como tantos cânones de beira-de-campo que conhecemos.

Não é por acaso que o Flamengo o perseguiu desde o começo da temporada. Ele carrega a marca da reestruturação de times em sua carreira. Isso porque assumiu o Grêmio em frangalhos para disputar a série B em 2005, montou um time competitivo misturando jovens a jogadores mais rodados e, embora não tenha sido brilhante, a campanha rendeu o acesso que, no final das contas, era o objetivo principal. Foi um grande bônus a glória na “Batalha dos Aflitos”, como ficou conhecida o dramático jogo decisivo entre Grêmio e Náutico, vencido por um tricolor com 8 jogadores em campo (três expulsões), com direito a pênalti defendido pelo goleiro Galatto e gol de Anderson (atualmente no Manchester United) no finalzinho. Mano seguiu no Grêmio até 2007, quando fez aquele time de 2005 evoluir, com novas peças, lançando garotos como o próprio Anderson – que se transferiu para o Porto em 2006 -, como Lucas Leiva e Carlos Eduardo e chegou a uma improvável final de Libertadores, perdendo para um dos maiores times que o Boca Juniors montou em sua história.

Dali Mano seguiu para o Corinthians que acabara de naufragar na série A. O desafio era maior, uma torcida absurdamente grande e exigente enfurecida pela vergonha do ano anterior. Mano adotou procedimento parecido, buscando jovens revelações e alguns jogadores mais rodados – embora baratos –, conquistou a série B e chegou à final da Copa do Brasil em 2008, perdendo para o Sport de Recife. Em 2009, com o cofre do clube respirando sem aparelhos, Mano já contava com Ronaldo Fenômeno, entre outros, no time que conquistou Campeonato Paulista e Copa do Brasil, garantindo a vaga para a Libertadores de 2010, de onde sairia com uma derrota pelas oitavas-de-final na bacia das almas para o Flamengo de Adriano e Vagner Love, então campeão brasileiro.

Em 2010, após a recusa de Muricy Ramalho, então treinador do Fluminense, Mano assumiu a Seleção com a missão de reestruturar a base de um time que havia perdido da Holanda nas quartas-de-final da Copa daquele ano sem apontar para qualquer caminho de renovação (a média de idade do time naquela Copa foi umas das mais altas da história da seleção). A missão, de novo, era espinhosa. Mano apostou em meninos que começavam a despontar no cenário brasileiro, como Neymar, Oscar, Lucas e o até Hulk, bastante jovem e desconhecido na época. Afundou em competições importantes, enfrentou as dificuldades de não ter as Eliminatórias Sul-americanas como teste de fogo e demorou quase dois anos para apresentar algum resultado. Quando o time começava a dar liga, vieram a derrota para o México nos Jogos Olímpicos, a troca de comando na CBF e a ansiedade pelos destinos do escrete canarinho nas Confederações e no Mundial. Mano foi duramente afastado do cargo para dar lugar a Felipão.

Então, ele se recolheu. Passou um semestre longe do foco, pareceu que assumiria um time de ponta europeu (falou-se no Porto), que tomaria um rumo diferente do costumeiro. Mas não.

Mano aceitou cumprir sua aparente sina e assumiu o desafio de, novamente, manobrar o transatlântico na piscina. 

Pegou o Flamengo no meio da temporada, com a maior parte das receitas comprometidas com adiantamentos e dívidas deixados pela vasta história de usurpação deixada pelas diretorias anteriores, um time fraquíssimo, com poucas perspectivas de contratações e o modesto objetivo de se manter na série A para esperar dias melhores em 2014, quando – dizem – os cofres receberão injeção de oxigênio. Mano ganhou carta-branca da diretoria e até a torcida parece ter mais paciência dessa vez do que teve em outras. Está clara para todos a missão da temporada: evitar o vexame e planejar a próxima com mais saúde financeira e, logo, mais margem de manobra.

Quando perguntado sobre o trabalho de reforma que realizou nos elencos de Grêmio e Corinthians, o atual técnico do Flamengo alega – e concordo com ele – que naquelas situações, em que pese da dramaticidade do descenso, o desafio era mais fácil. Os adversários na série B são menos competitivos, você não joga clássicos, um elenco mais modesto pode dar a liga necessária e as coisas começam a acontecer. A série A oferece a um clube grande não mais do que quatro ou cinco “carnes assadas” por temporada. O restante das 32, 33 rodadas é clássico em cima de clássico, pedreira em cima de pedreira, às quartas-feiras e aos finais de semana. Você precisa assimilar uma derrota doída e três dias depois precisa encarar nova pedreira e, com o equilíbrio do campeonato, a queda na tabela é brutal quando se perde duas ou três seguidas. Cair na zona dos quatro últimos da tabela significa a obrigação de vencer a qualquer custo, o que pode ser muito complicado para um grupo emocionalmente fragilizado e sem confiança. Pior ainda quando o grupo é fraco mesmo. Depois da derrota por acachapantes 3 x 0 para o Bahia na quarta-feira, Mano afirmou: “o preço que se paga por um projeto como esse feito assim é alto. Às vezes, alto demais”.

Como exemplo, pode-se pegar o Palmeiras, que atualmente está jogando a série B. Contratou algumas peças até interessantes com investimentos modestos, peças que o técnico Gilson Kleina vai lançando aqui e ali sem a pressa da série A, as vitórias vão chegando, a torcida lota o Pacaembu, o noticiário passa a ser positivo, a pressão diminui, o garoto que não conseguia dominar uma bola há três anos hoje é titular da lateral e até Valdivia volta a jogar, e jogar muito bem. Aos poucos, o time vai encorpando, batendo muitos adversários menos competitivos, assumindo a liderança com tranquilidade e começando a roçar as mãos pensando na Copa do Brasil (em se tratando de Palmeiras, por que não?). No ano o que vem, o Palmeiras terá seu estádio de volta, novinho em folha, onde sua torcida provavelmente erguerá um caldeirão tinhoso que renderá uma grana boa de bilheteria, patrocinadores que hoje fogem começarão a fazer fila na porta, o caixa do futebol se reforçará, a torcida estará confiante, os jogadores também. Vai saber? Time gigante é time gigante, e quando a coisa acende...

O Flamengo, a seu modo, também aposta nisso. Com o advento do Maracanã, com a força de sua torcida e com um time competitivo montado com investimentos mais pesados, 2014 pode ser um ano bom. Mas o caminho para essa virada, embora doa menos no orgulho do que a série B, é muito mais penoso. Não se sabe ao certo a folha de pagamentos do Flamengo, não é público o quanto está sobrando para encaixar algumas contratações. Fato é que, se elas não acontecerem, o time flertará perigosamente com o descenso. Mano é bom treinador, conseguiu organizar o que parecia inorganizável, mas não basta. Talvez dois ou três jogadores mais cascudos, mais apurados tecnicamente e comprometidos com o projeto bastem. Mas eles precisam chegar. O clube vive um dilema: corto despesas radicalmente para ter um horizonte melhor no médio prazo e arrisco uma tragédia ou arrisco algumas despesas para evitar a tragédia e comprometo, ainda que parcialmente, esse horizonte de médio prazo?

Sinceramente, não sei o que pensar. Apoio a reconstrução e não acho que Grêmio, Corinthians e Palmeiras mereciam ou deveriam ter ido necessariamente à B para fazê-la. Como não acho que Flamengo e Vasco, os dois grandes que vejo mais ameaçados nessa temporada, devam seguir o mesmo caminho para reformar a casa. Mano é o treinador mais indicado para o projeto atual do clube e o perfil da torcida do Flamengo é o mais indicado também, porque estará lá em peso para o que der e vier.

Mas o pior cego é o que não quer ver, e o comando do Flamengo precisa enxergar que manter as coisas como estão é jogar roleta-russa. 

Por Bruno Passeri.
 

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