sexta-feira, 19 de julho de 2013

Aspas para as aspas: por que acreditar no Galo?

Roberto Drummond nasceu em Ferros, Minas Gerais, em 1933, e faleceu na cidade de Belo Horizonte aos 68 anos de idade, em 21 de junho de 2002, vítima de problemas cardíacos. Não sei se esses problemas teriam relação direta com o jogo Brasil 2 x 1 Inglaterra, pelas quartas-de-final da Copa do Mundo, jogado no mesmo dia. Não sei se Drummond estava regando as plantas em seu quintal ou jogando buraco com sua esposa ou alimentando periquitos, ou se estava assistindo ao jogo e o teste foi duro demais para o coração frágil de um sexagenário. Sei que ele não imaginava que o Ronaldinho que metia a bola por cima de um incrédulo Seaman, que catava cavaco tentando alcançar, seria a grande esperança de seu Galo para conquistar, onze anos depois, a Taça Libertadores da América, o maior título da história do clube.


Irônico, o destino. 


Como irônicos eram o tom de suas crônicas esportivas e os títulos de seus romances: O dia em que Ernest Hemingway morreu crucificado (1978), Sangue de coca-cola (1980), Quando fui morto em Cuba (1982), Hitler manda lembranças (1984), Ontem à noite era sexta-feira (1988), entre outros. O mais famoso, provavelmente, é Hilda Furacão (1991), que rendeu adaptação para a teledramaturgia global. Ou talvez seja Uma paixão em preto e branco, publicação póstuma que compila crônicas de sua autoria sobre aquele que seria o grande furacão de sua existência, o Atlético.


A literatura, como tudo na vida, é um eterno retorno, é repetição-só-que-não, é releitura. 


Lamento profundamente não poder ler o que Drummond escreveria agora que o Galo impõe à sua massa seguidora testes cardíacos dificílimos. Mas agradeço a Mauro Beting pelo brilhante esforço de compilar trechos das crônicas publicadas por Drummond de modo a formar um único texto que não apenas faz sentido como uma peça única, como também tem tudo a ver com o momento vivido pelo Galo atualmente. Premonição? Mesa-branca-Chico-Xavier feelings? Prefiro acreditar em Nietzsche. E ler Drummond.


Aspas para as aspas de Beting:


"Libertadores quae sera tamen: Roberto Drummond acredita - Olimpia 2 x 0 Atlético Mineiro.


Ele acredita!

Saudade de Roberto Drummond. Um atleticano cronista (necessariamente nesta ordem) que hoje escreveria algo parecido com isso. Todas as palavras abaixo são dele em outras crônicas atleticanas.
Aspas abertas:
"O que mais combina com a magia do Atlético é o sangue. Esse que nosso volante recuperou quando tinha tudo para deixar o campo e continuou a jogar com a cabeça enfaixada. Toda vez que o Galo foi apenas arte e esqueceu seu lado heroico, ele saiu banido de campo e derrotado dentro do coração dos que o amam.
Mas quando o lado heroico do Atlético prevalece, ele sempre sai de campo glorificado. É com sangue, suor e raça que o Galo pode derrotar o rival. É com amor. É como quem disputa o coração da mulher amada. É como quem defende o último pedaço de chão da pátria. É assim que o Atlético deve fazer.
Se fizeram um eletrocardiograma da bola, verão que até ela está com o coração batendo na garganta. Vocês dirão que não – que bola não pensa, que bola não sente… Ingênuos! A bola sempre sabe que rede beijar. E esse beijo, às vezes, é deixado para a última hora, para nos fazer sofrer. Mas esse beijo costuma ser dado a quem merece. A quem desde a primeira vista deste campeonato pôs amor em tudo que fez. Houve ocasiões, sim, que o adversário mereceu tanto quanto o Atlético. Nunca mais do que o Galo.
A bola levará isso em conta no Mineirão. Tudo na vida é questão de merecer. Os jogadores do Atlético podem estar tranquilos. São os mais capacitados e predestinados para serem campeões.
Queria que todos os atleticanos não se esquecessem quando se virem cercados, sem saída e sem caminho, que sempre há um jeito de chegar até a linha de fundo e cruzar uma bola.
Senhor, apague o sol, apague a lua, anoiteça os olhos da amada, derrame a noite sobre nós, mas não deixe o Atlético capitular. Senhor, tire nosso pão, corte nossa água, proíba nossos amores, decrete a solidão nas esquinas, nos bares e em nosso coração, faça de nós um bolero, faça de nós um tango, faça de nós a mais desesperada canção, mas transforme a zaga do Atlético num muro.
Prenda de vez nosso coração, mas espalhe luz sobre os caminhos de nosso meio-campo. Acenda uma estrela na chuteira deles e não deixe o adversário jogar. Não deixe o Atlético capitular.
Senhor: nos faça descobrir o amor para depois tirá-lo de nós. Faça-nos sofrer de amor, mate-nos de amor, se preciso, mas quando o atacante pegar a bola, Senhor, iluminado seja o seu caminho.
Senhor, depois que o Atlético ganhar, aí, Senhor, prive-nos de tudo o que quiser, exile a amada no Paraguai e outra vez nos mate de amor.
Mas, Senhor, não nos prive do Atlético. Ser atleticano é como casamento. Na saúde e na doença. Nas alegrias e nas tristezas.
O atleticano é capaz de após uma derrota pegar a camisa no armário e sair às ruas. O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. A bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo. Cheira ao suor da mulher amada. Cheira a lágrimas. Cheira a grito de gol. Cheira a dor. Cheira a festa e a alegria. Cheira até mesmo perfume francês. Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú.
Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: Nunca mais torço pelo Galo. Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazem com o retrato da amada.
Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa branca e preta, um milagre se opera? Que tudo se transfigura num mar branco e preto?
Ser atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Não me perguntem se eu sou de esquerda ou de direita. Acima de tudo, sou atleticano. Toda manhã, quando acordo, eu rezo: Obrigado, Senhor, por me ter dado a sorte de torcer pelo Atlético”.
Aspas fechadas.
Posso acrescentar?
“Obrigado, Senhor, por ter me dado a sorte de torcer pelo campeão da América na próxima semana”.
Eu acredito que Roberto Drummond acredita lá em cima. Eu acredito no time de Cuca aqui embaixo.
Vocês sabem: “Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”. Já falou Drummond.
O vento de 2013 está a favor do Galo nesta Libertadores.
Eu, Mauro Beting, acredito.
Faltam 90 minutos. Quem sabe mais. Mas quem mais sabe em 2013 não vai deixar ter pênaltis. Vai fazer ainda mais do que fez contra o Newell´s. Quem mais jogou não vai deixar perder mais um título ganho. Mais um título perdido pelo receio de que não vai dar.
O novo Atlético é o do novo atleticano que sabe que muita coisa não foi conhecida. Muito troféu não foi conquistado. Muita vitória foi perdida. Mas este novo alvinegro contagia o mais velho com uma nova mentalidade. Não mais do já-perdeu. Mas do que pode-ganhar. Não mais do tudo-contra-todos, mas do todos-pelo-Galo.
De novo vai ganhar de velho. De novo vai sofrer e suar para ganhar por pelo menos dois. Com muito mais de 11. Com tudo mais de milhares no Mineirão. Com milhões pelas gerais de Minas e do Brasil.
De novo vai ter de se superar. De novo vai ter de esquecer a arbitragem que o atleticano não esquece que não é amiga e anulou lance difícil que poderia ter dado em gol de Tardelli – o único que tudo jogou em Assunção, embora pudesse ter dado ao ausente Ronaldinho um gol de presente na segunda etapa.
De novo vai ter de estar atento até o último chute, como Pittoni fez o golaço da vitória do Olimpia, na infeliz escolha de Alecsandro que atrapalhou Victor, como o mano Richarlyson se atrapalhou com Salgueiro, com Silva, e com mais uma expulsão tola como o amarelo levado por Marcos Rocha.
Aquele chute do Salgueiro que desviou na zaga, aos 36 iniciais, era o típico gol que o Galo levaria. Não levou. E olha que poderia ter levado mais, por que Luan não se encontrou, e demorou para Cuca apostar em Rosinei. Como insistiu com Jô até ele só não fazer um belo gol em passe genial de Guilherme por que Silva fez mais uma grande defesa. Tão importante com os pés como Leo Silva que salvou gol certo, tão certo e gol também não feito como o que Bareiro perdeu na sequência.
Muita coisa deu errada em Assunção. Muita coisa tem como ser refeita no Mineirão. Foi um enorme e exagerado 2 a 0. Mas reversível. Como foi muito difícil segurar aquele pênalti contra o Tijuana. Como foi muito complicado reverter aquela derrota em Rosário. Como será ainda mais complicado igualar os dois gols sofridos em Assunção.
Mas quem diria que seria diferente para o atleticano?
Vai ser assim.
O Roberto Drummond acredita. Eu também.
(O texto que compilei com trechos de crônicas de Drummond que abre este post é uma colagem feita a partir de sete colunas do cronista mineiro. Todas presentes no essencial “Uma Paixão em Preto e Branco”, coletânea de colunas de Roberto publicada pela Editora Leitura, muito bem organizada por Alexandre Simões)".
Aspas das aspas fechadas.

Por Bruno Passeri.




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