A madame do Morumbi que, por caprichos do destino, for comer
um churrasco assado num bujão de gás cortado ao meio sobre uma
laje de concreto em Paraisópolis, a favela que fica logo ao lado do bairro
nobre da capital paulista, terá que rever alguns conceitos para dançar a música
da festa. Revendo-os, ela poderá se integrar perfeitamente à festa e acabar se
transfigurando naquele ambiente, ou apenas comer a asinha, tomar um guaraná
Convenção, eventualmente uma cerveja, dançar um pouco de Racionais MC’s, tirar
foto com as meninas, beijar as tias, pedir a benção e voltar ao seu universo de
mármore com alguma coisa transformada dentro de si, ou ainda manter a cara
endurecida de medo, impermeável à linguiça, ao rap, à tia e à sobrinha, manter as
convenções em riste e correr para sua poltrona Karim Rashid com mais cagaço
daquele mundo do que tinha antes, isso se não ficar porventura no caminho,
depois de bater atordoada seu Mercedes na moto de um cidadão bem menos amistoso
do que o pessoal da laje. É um nó existencial colocado à madame
pela ida à laje.
Há diferença clara entre escalar uma montanha olhando para
cima e pensando em fincar a bandeira no cume e escalar a mesma montanha olhando
para baixo com receio do tamanho do tombo. Na primeira opção, uma força surge
dentro do alpinista e o empurra para cima; na segunda, a mesma força emperra a
subida, qualquer vento balança e a chance de queda aumenta consideravelmente.
Paulo Calçade, comentarista da ESPN Brasil, relembrou no
último “Linha de passe”, a respeito da situação do São Paulo, o ditado que diz
que não é fácil manobrar transatlântico dentro da piscina. O São Paulo é um
enorme transatlântico. Quando esse tipo de coisa acontece com um time grande, a
bola não entra, o goleiraço leva frango, o artilheiro fura a bola, o zagueiro
escorrega. E pior: essa madame, particularmente, nunca na vida foi à laje.
Porque quando um Flamengo ou um Corinthians ou um Vasco ou
um Grêmio lutam contra o descenso, algo se transforma nas massas. Elas
pressionam com críticas pesadas, mas a mesma força usada para vaiar
eventualmente se vira a favor do time, a massa entope as arquibancadas e algo
conspira para fazer entrar a bola que até ali não entrava. Mais: esses times
já se calejaram na missão, sabem que, mais cedo ou mais tarde, é preciso,
nesses casos, abandonar qualquer filosofia utópica de jogo, contratar um Joel
Santana ou um Celso Roth, escalar quatro volantes, cinco zagueiros, jogar à
paraguaia no bumba-meu-boi, meter a faca entre os dentes e tentar arrumar um
pontinho sempre que possível até chegar aos 45 pontos que vão livrar do vexame. O time do Flamengo que protagonizou a
arrancada fantástica de 2007, saindo da degola para a terceira colocação em
pouco menos de vinte rodadas, era escalado por Joel Santana com Jailton,
Cristian, Toró e Ibson no meio-campo. Quatro volantes, dois ruins e dois
medianos. Todos correndo atrás do adversário como se fosse a última costelinha do barbecue.
O público do Flamengo naquele ano, em que pese a precariedade técnica do time,
foi de quase 45 mil pessoas em média. Eu vi jogos naquela campanha no Maracanã
em que a bola entrou de teimosa. Um deles, inclusive, contra o próprio São
Paulo, então líder absoluto da competição, foi um espetáculo nas arquibancadas lotadas
que parecia decisão de Libertadores. O jogo truncado acabou em 1 x 0 para o Flamengo,
gol de Ibson, uma vitória que consolidou a guinada do time na tabela. Vi de longe
coisas semelhantes acontecerem com outros times em situações parecidas.
É preciso comer a asinha. Roer o osso com vontade, lambuzar
a cara de gordura de frango e de risole e depois desengasopar a comilança arrotando com um bom
gole de guaraná Convenção ou cerveja Cintra. E aí você volta para casa numa
boa.
O São Paulo precisa saber disso. Sua torcida precisa colocar
mais do que as cinco, seis mil pessoas que transformam o Morumbi em castelo mal-assombrado com sua escassa
presença e o uuhh das vaias. Paulo Autuori, se não quiser perder o cargo
para um Joel ou Roth (acho difícil que Muricy queira assumir essa mamona),
precisa entender que, no momento atual, não há filosofia de jogo, conceito de
futebol e discurso loquaz que desentorte o rabo da porca. É sensato arrumar
três ou quatro caras dentro do elenco que corram por ele e, não importa a
qualidade técnica desses caras, escalá-los no meio-campo. É preciso entender
que, por mais que Lúcio seja um pentacampeão internacionalmente consagrado e
que suas subidas ao ataque sejam notáveis, ele precisa é se aquartelar no
primeiro quarto do campo, jogando para a arquibancada qualquer coisa que se
pareça com a bola e se aproxime da área são-paulina. É fundamental entender que
o Ganso não pode pegar nem a vassoura para varrer o vestiário de um time nessas
circunstâncias, quanto mais ser titular da meiúca. Tudo o que sempre foi bonito
e tornou o São Paulo um clube diferenciado nos últimos, digamos, vinte e cinco
anos não vale um centavo agora. Sigam cagando a pompa que cagaram nas últimas
três décadas e verão o que uma temporada correndo de cachorro brabo pode
reservar.
Não adianta chorar, madame. Você está na laje, e é melhor beliscar
seu croquete, enfiar os córneos na sua asinha e no seu copinho de cerveja e
dançar a música que está tocando como se fosse a mais divertida do mundo. É
isso ou ano que vem o churrasco vai ser você.
Por Bruno Passeri.
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