sexta-feira, 26 de julho de 2013

A madame na laje e o transatlântico na piscina



A madame do Morumbi que, por caprichos do destino, for comer um churrasco assado num bujão de gás cortado ao meio sobre uma laje de concreto em Paraisópolis, a favela que fica logo ao lado do bairro nobre da capital paulista, terá que rever alguns conceitos para dançar a música da festa. Revendo-os, ela poderá se integrar perfeitamente à festa e acabar se transfigurando naquele ambiente, ou apenas comer a asinha, tomar um guaraná Convenção, eventualmente uma cerveja, dançar um pouco de Racionais MC’s, tirar foto com as meninas, beijar as tias, pedir a benção e voltar ao seu universo de mármore com alguma coisa transformada dentro de si, ou ainda manter a cara endurecida de medo, impermeável à linguiça, ao rap, à tia e à sobrinha, manter as convenções em riste e correr para sua poltrona Karim Rashid com mais cagaço daquele mundo do que tinha antes, isso se não ficar porventura no caminho, depois de bater atordoada seu Mercedes na moto de um cidadão bem menos amistoso do que o pessoal da laje. É um nó existencial colocado à madame pela ida à laje. 


A diferença entre o São Paulo e, digamos, o Criciúma disputando a Série A na rabeira da tabela é enorme. O Criciúma não está na primeira divisão a passeio, claro, mas cada canto do Heriberto Hulse sabe que as aspirações do Tigre são, no fim das contas, permanecer e quando muito beliscar uma vaga na Sul-Americana. Sua torcida está ciente do quanto precisa se esforçar para fazer daquele modesto estádio um caldeirão capaz de fornecer ao time alguns pontos providenciais, seu time sabe do que é capaz e seu treinador tem consciência dos inexorabilíssimos trabalhos que essa escalada para não cair demanda. O São Paulo é o exato oposto.

Há diferença clara entre escalar uma montanha olhando para cima e pensando em fincar a bandeira no cume e escalar a mesma montanha olhando para baixo com receio do tamanho do tombo. Na primeira opção, uma força surge dentro do alpinista e o empurra para cima; na segunda, a mesma força emperra a subida, qualquer vento balança e a chance de queda aumenta consideravelmente.

Paulo Calçade, comentarista da ESPN Brasil, relembrou no último “Linha de passe”, a respeito da situação do São Paulo, o ditado que diz que não é fácil manobrar transatlântico dentro da piscina. O São Paulo é um enorme transatlântico. Quando esse tipo de coisa acontece com um time grande, a bola não entra, o goleiraço leva frango, o artilheiro fura a bola, o zagueiro escorrega. E pior: essa madame, particularmente, nunca na vida foi à laje.

Porque quando um Flamengo ou um Corinthians ou um Vasco ou um Grêmio lutam contra o descenso, algo se transforma nas massas. Elas pressionam com críticas pesadas, mas a mesma força usada para vaiar eventualmente se vira a favor do time, a massa entope as arquibancadas e algo conspira para fazer entrar a bola que até ali não entrava. Mais: esses times já se calejaram na missão, sabem que, mais cedo ou mais tarde, é preciso, nesses casos, abandonar qualquer filosofia utópica de jogo, contratar um Joel Santana ou um Celso Roth, escalar quatro volantes, cinco zagueiros, jogar à paraguaia no bumba-meu-boi, meter a faca entre os dentes e tentar arrumar um pontinho sempre que possível até chegar aos 45 pontos que vão livrar do vexame.  O time do Flamengo que protagonizou a arrancada fantástica de 2007, saindo da degola para a terceira colocação em pouco menos de vinte rodadas, era escalado por Joel Santana com Jailton, Cristian, Toró e Ibson no meio-campo. Quatro volantes, dois ruins e dois medianos. Todos correndo atrás do adversário como se fosse a última costelinha do barbecue. O público do Flamengo naquele ano, em que pese a precariedade técnica do time, foi de quase 45 mil pessoas em média. Eu vi jogos naquela campanha no Maracanã em que a bola entrou de teimosa. Um deles, inclusive, contra o próprio São Paulo, então líder absoluto da competição, foi um espetáculo nas arquibancadas lotadas que parecia decisão de Libertadores. O jogo truncado acabou em 1 x 0 para o Flamengo, gol de Ibson, uma vitória que consolidou a guinada do time na tabela. Vi de longe coisas semelhantes acontecerem com outros times em situações parecidas.

É preciso comer a asinha. Roer o osso com vontade, lambuzar a cara de gordura de frango e de risole e depois desengasopar a comilança arrotando com um bom gole de guaraná Convenção ou cerveja Cintra. E aí você volta para casa numa boa.

O São Paulo precisa saber disso. Sua torcida precisa colocar mais do que as cinco, seis mil pessoas que transformam o Morumbi em castelo mal-assombrado com sua escassa presença e o uuhh das vaias. Paulo Autuori, se não quiser perder o cargo para um Joel ou Roth (acho difícil que Muricy queira assumir essa mamona), precisa entender que, no momento atual, não há filosofia de jogo, conceito de futebol e discurso loquaz que desentorte o rabo da porca. É sensato arrumar três ou quatro caras dentro do elenco que corram por ele e, não importa a qualidade técnica desses caras, escalá-los no meio-campo. É preciso entender que, por mais que Lúcio seja um pentacampeão internacionalmente consagrado e que suas subidas ao ataque sejam notáveis, ele precisa é se aquartelar no primeiro quarto do campo, jogando para a arquibancada qualquer coisa que se pareça com a bola e se aproxime da área são-paulina. É fundamental entender que o Ganso não pode pegar nem a vassoura para varrer o vestiário de um time nessas circunstâncias, quanto mais ser titular da meiúca. Tudo o que sempre foi bonito e tornou o São Paulo um clube diferenciado nos últimos, digamos, vinte e cinco anos não vale um centavo agora. Sigam cagando a pompa que cagaram nas últimas três décadas e verão o que uma temporada correndo de cachorro brabo pode reservar.

Não adianta chorar, madame. Você está na laje, e é melhor beliscar seu croquete, enfiar os córneos na sua asinha e no seu copinho de cerveja e dançar a música que está tocando como se fosse a mais divertida do mundo. É isso ou ano que vem o churrasco vai ser você.

Por Bruno Passeri.

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