segunda-feira, 29 de abril de 2013

O sábado, a mutilação e uma guerra no Congo


 Estreia do novo Maracanã aconteceu no último sábado de abril, mês da mentira, mês do Golpe de 1964. (Marcelo Horn/Divulgação)


Era o século XX, Era dos Extremos. Em uma das suas viagens pelos então distantes mundos africanos, o polonês Riszard Kapuscinski, correspondente da agência PAP, deparou-se com um irremediável conflito de poder no Congo. Dois eminentes representantes da política local mobilizaram todos seus esforços para resolver a questão, intransponível. Inacessível. Aqueles exércitos conspiravam nas sombras das árvores e palácios, tramavam sangue e dor junto aos seus correligionários; questão de vida ou morte.

Nomeação de um juiz. Essa era a razão que motivava o tumulto interno, o combate de forças e o desgaste político. Um país a uma faísca do colapso pela eleição de um burocrata, canhões erguidos para o inimigo que é coberto pela mesma fronteira. Burocrata sim, já que tratava-se de um sistema de três poderes recém-implantado na frágil armação tribal e pós-imperialista de mais uma república africana. Uma gente que se mutilava, apontando o punhal para o seio do progresso que ela mesmo lutou para alcançar. "É por isso que esse povo não se desenvolve", afirmou um dos jornalistas europeus que cobria o choque, portando um sorriso que só o eurocentrismo é capaz de oferecer.

Tinha de ser no sábado. Claro, para praticar mais uma ofensa contra as tradições do futebol. Estreia do Maracanã, sem os grandes nomes, sem o populacho que tanto o engrandeceu – e, é claro, sem o próprio estádio – , não podia acontecer no sacro domingo. O Palco das Multidões não foi ao Maracanã no sábado. Um signo que consagrou o futebol como elemento fundador da identidade nacional brasileira, agora sem o significado. Cabral e Paes, claro, artífices do conflito desnudo entre a organização dos grandes eventos os símbolos de sua gente, estavam lá, de pé, aplaudindo a iminente derrubada da escola Friedenreich, do estádio Célio de Barros e do parque Aquático Júlio Delmare. Zico, Paulo César Caju, Petkovic, Jairzinho e Dinamite não estavam. Dilma foi. Os milhares não.

Interesses pontuais. Essa é a razão que promoveu a cisão entre a gente do futebol e os políticos. Crianças sem escolas, atletas sem praças esportivas, torcedores longe de suas alegrias... Tudo em nome do lucro de empresários que comandam a organização dos grandes eventos. O resultado é um ruído entre termos e suas correspondências. Bandeiras de identidade turva. Já havia uma seleção sem povo – ouça as vaias do jogo do Mineirão da semana passada e diga o contrário, desafio. Agora há um estádio sem torcida e ano que vem haverá um país-sede sem suas ruas de torcedores. Não pense em Alzirões e Fan Fests vazios. Gostamos de festas e iremos às ruas: beber, pular, flertar. Por nada. Como fazemos nos fins de semana.

Tribal guerra, tão sem sentido quanto a do Congo retratada pelo poeta factual do leste europeu. Conflito promovido por um Estado (em maiúsculo, já que a palavra compreende também o município e o Governo Federal) que entrega recibo à iniciativa privada que bancou à candidatura lá, na época da eleição do Brasil ao posto de novo subserviente da Fifa e do COI, ainda em meados da década passada. O Estado entrega um Rio mutilado aos encomendadores do crime.




Por Helcio Herbert Neto.                            

Nenhum comentário:

Postar um comentário