domingo, 10 de março de 2013

Sem ela não tem graça


Foto: Nelson Almeida/France Press


Os relâmpagos incessantes no céu eram o prelúdio de mais uma tempestade de fim de tarde no nefasto verão carioca. O calor se fora e levara consigo a sobriedade daquela gente voraz que, em poucas horas, já não tinha mais o que beber nem comer. Precisaram de mais cerveja, e lá foram eles. Precisaram de novo, mas não tinham mais grana. Feito ratos bêbados, desbravaram os escombros da festa em busca de qualquer coisa etílica que os fizesse se sentir mais confortáveis com suas novas namoradas, mais felizes com o reencontro de amigos ou simplesmente mais alucinados para que algo interessante acontecesse. 

Contavam e recontavam histórias indecentes, riam alto, berravam os brindes e propunham brincadeiras que os deixassem em um nível ainda maior de satisfação. Aos poucos, começaram a sair para a rua e a ganhar as esquinas suadas e provocantes do Rio, afinal era sábado, e sábado todos precisam amar.

Alguém deve ter notado, porém, um cigarro se acendendo sozinho na penumbra de um canteiro distante. Ali, agonizava numa sobriedade invisível o ‘turista’. Suas largas veias circulavam um sangue de monotonia e desalento. Cada tragada que dava sugava suas energias para reagir às incertezas e sacanagens da vida. Não foi por falta de esforço, mas sim de uma alma que não conseguiu ficar bêbado. Teria sido feliz naquele sábado - como fora em tantos outros - se realmente estivesse ali presente. Ou se ao menos soubesse onde estava para se resgatar e, por fim, juntar-se mais uma vez àquela horda de hedonistas como sempre fizera. 

É provável que encontrasse a si mesmo numa estação rodoviária de Paris, exatamente na mesma posição que estivera há dois meses, chorando a pior despedida de sua vida. Depois disso, provavelmente não tenha se dado conta, mas foi só um espectro ansiando por novos lugares, pessoas e experiências. Quando voltou à rotina, aí sim; perdeu o norte de vez numa bússola que nunca foi de fato um exemplo de precisão. 

Agora não podem pedir a ele para gozar do jantar sozinho assistindo ao jornal ou do metrô lotado às sete da manhã. Não podem exigir que ele debata com entusiasmo ideias com a ‘esquerda caviar’, que precisa cuspir diamantes cada vez que abre a boca. Não podem aconselhá-lo a encontrar alívio entre pernas fúteis e sorrisos hipócritas. 

Doce ou salgado – não importa – tudo ficou amargo, como para a senhora que parou de fumar de um dia para o outro após 40 anos de vício. Cores, toques, gestos, palavras, nada é muito interessante. Sinestesia desolada, dias sem vida. 

Ele vai se alinhar - sempre o faz -, mas não desse jeito. Sem ela não tem graça.




Por Beto Passeri.

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