domingo, 9 de dezembro de 2012

Álcool gel

 (Divulgação)


Percorre com os olhos o corpo cansado que acabou de chegar da rua. Rua em brasa, como deve ser nos dias cariocas de praia. O trabalho havia sido pesado, dia duro e o suor contínuo. Não cumprimentaria alguém naquele estado se estivesse fora do trabalho. Nunca. Contudo, estava dentro do prédio da empresa. E ele era o repórter que punha as letras no jornal, peça da máquina que conduz as contas do grupo às marcas gigantescas que os extratos mostram. Tinha que cumprimentar. Por mais que ele não fosse ninguém. 

Hesitante, apertou a mão. Em um movimento bem rápido, os olhos também se esquivaram daquilo que se punha a sua frente. Apressou o papo, e se despediu. Enquanto ele caminhava até o elevador, o diretor deu de costas, com olhar enviesado, caminhou até a parede. As portas do elevador já se fechavam quando aquele nada que ainda iria escrever tudo que havia apurado no dia viu o chefe máximo, em momento de iluminada limpeza, passando àlcool gel nas mãos.

Agora, tudo tinha ficado mais claro. O porquê de a TV não noticiar as pedras sob os viadutos da cidade, que usam o mesmo princípio do arame farpado, e tentam remover acúmulo de gente pelo desconforto que não deixa o gado fugir. A razão da euforia no dia da inaguração dos camarotes do Maracanã, construídos em detrimento do fim da presença da população menos favorecida. A origem da forma despudorada com que os mandatários tratam a educação e as carroças mecânicas que eles chamam de transporte público. Tudo ficou fácil quando o fio de álcool feriu a mão do homem que coordena o jornalismo no famoso conglomerado midiático.

Muita gente vê no tubo em alta definição que ocupa o centro das salas a verdade pura. Muita mesmo. Mas que verdade uma pessoa assim é capaz de transmitir? A verdade para ele é limpeza, higiene. aparências. É a cidade da Olimpíada feita para os outros que eles vendem. Antes de vender, eles compram, assimilam como certo. Eles são isso e vão oferecer isso. A casta que chama a rua do Leblon que leva o nome do libertador San Matin de "San Martã", que acabou de desembarcar de Paris e já está pronto para voltar, essa gente não vão sentir falta do sorriso banguela da geral, não vão se comover com a dor dos estudantes da escola da Friedenreich, não vão se questionar quando mais um comunidade for removida.

Vão comemorar a nova arena climatizada da Barra, a nova estrada moderna e privatizada ou a nova sede de qualquer multinacional conseguida com isenção fiscal. Até vão noticiar se o povo conseguir alguma vitória, se o Maracanã não for privatizado ou se as manifestações tomarem um volume incapaz de ser ignorado. Mas o fardo será grande. O suor, flagrante. Sem problemas; vai ser só burrifar o àlcool gel nas mãos e voltar para a mesmice indiferente das notícias da orla.

                                                                                      
Por Helcio Herbert Neto.

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