segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Brinde à seco


(Divulgação/Fluminense)

Domingo à noite e nada mais a fazer. Os quatro se sentam ao bar para elocubrar qualquer coisa inútil, rir de meia-dúzia de personagens antigos do bairro, e, é lógico, beber. A conversa caminhava em velocidade lenta, fatos e histórias passavam como em um carrossel naquela noite quente de domingo, até que o exercício de memória chegou ao ponto crítico, doloroso. O assunto agora era o amor. Um se fez de frio, outro de romântico satirizado, o terceiro assumiu seus casos com a amargura típica, e o último já tinha tomado cerveja demais para assumir qualquer posição. Todos cômodos, escondidos em seus figurinos. Até que uma pergunta trouxe um desconforto inédito ainda naquela movimentada esquina da praça.

Qual foi o último beijo sóbrio que você deu? Silêncio. Coçadas na cabeça, ajeitadas na cadeira. Parece que o tema já havia sido abordado em outro momento, dois ali estavam pouco menos desconcertados em consultar suas memórias. Só um pouco. O exercício era doloroso. O último cinema, um passeio pela tarde... um encontro no boteco. Mas o beijo foi antes de começar a beber. Vale? Fazia tempo, para alguns ali, uma vida, que o romance tinha encravado em si o cheiro de fim de noite na Lapa. 

Assumimos uma rotina, seja nos dias de semana, seja na higiene pessoal, que enquadra a vida em um polígono de arestas de navalha. Inerte, estanque. Fugimos do abismo que é tentar o diferente, romper o "de sempre", optamos pelo confortável. O assustador é perceber que as doutrinas do dia-a-dia invadiram até o amor. Desenvolvemos obrigações, estágios e passos e morremos abraçados a eles. Beber antes de sair à noite, rezar antes de dormir, reeleger políticos medíocres. Tudo por medo do novo, por fobia ao ineditismo.

Com a audácia dos dois confidentes do bar, eu pergunto à vocês: qual o último time que ousou? Quando seu time transgrediu o convencional, em âmbito técnico, tático ou emocional? O santista pode dizer que seu time, em 2010, buscou isso. E é verdade, mas por poucos meses. Quase é possível contar os dias dessa façanha nas mãos. Antes, talvez o Cruzeiro, no começo do milênio. E só.

Não falo aqui dos já sacrificados volantes, da falta de audácia dos laterais, da ausência do já mitificado "Meia Clássico". A questão é mais profunda. Não há atração pelo heterodoxo, pelo pouco comum, pelo excêntrico. O medo das críticas, o cotidiano, os filhos à criar. Tudo prega os audazes no chão. Nada contra o Fluminense, cheio de méritos, inquestionável. No entanto, é inegável que hoje tivemos mais um campeão engessado, inerte, bem-comportado e chato.

O bar esvaziou, o sorriso surdo das belas meninas da região agora não pode mais ser visto. A madrugada abre os braços para os quatros amigos que,bêbados, tentam esquecer o duro questionamento. No fim de tudo, a cama e a consciência. A inquietude do dia seguinte também, será ela a responsável por mudar aquele sentimento de náusea iniciado em uma despretensiosa conversa de bar. Talvez no fim de semana seguinte, dediquem um brinde aos que têm a altivez de acordar dispostos a fazer diferente. Dessa vez, um brinde à seco.

                                                                                  
Por Helcio Herbert Neto. 

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