quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cada dia mais difícil



Uma expressão/apelo que ouvimos com frequência nas salas de aula e irrestritamente nas dinâmicas de RH é "fazer diferente". Se você conseguir fazer diferente e ainda ser "proativo" ao mesmo tempo, praticamente garante seu futuro. Aliás, certa vez, em uma dessas entrevistas que você vai meio obrigado, eu estava num transe entre a demência e o sono quando ouvi a psicóloga (cof) dizer os pré-requesitos para a vaga, e, obviamente, eram os que já mencionei. Acordei e me pus seriamente a pensar em como um vendedor de loja e - tem mais - um estoquista poderiam fazer diferente e ser proativos no seu dia a dia. Segundo a mulher que estudou quatro anos de Freud-Jung-Lacan, a proatividade é "antecipar os problemas, reagir as ações antes que elas aconteçam", ao passo que fazer diferente é "mudar o rumo das coisas, chocar". Ali, naquela entrevista na Cinelândia, entendi que eles talvez precisassem da Mãe Diná vendendo camisas e de um estoquista subindo e descendo caixas totalmente nu, ereto de preferência. Achei aquilo tudo meio esquisito e dei o fora.

Gracinhas à parte, essa coisa de fazer diferente me incomoda bastante desde que me entendo por gente. Não sei se é uma especificidade da minha personalidade ou um desconforto geral, mas nunca tive a menor paciência para iniciar um aprendizado da estaca zero. É óbvio que fui alfabetizado, aprendi a cagar e a me limpar sozinho, dentre outras coisas, porém a maioria delas necessidades básicas. Na segunda aula de violão sem conseguir tocar uma música inteira, larguei aquilo de mão. Com flauta, gaita, surfe, skate, arco e flecha e muitas outras atividades foi exatamente igual. Mais do que o fato de não conseguir realizar minimamente aquilo, o que me angustia até hoje é "quanto vai demorar e quanto vou ter que me esforçar para eu ser o melhor nisso?". Não digo ser o Jimmy Page ou o Kelly Slater, claro, mas pelo menos ser incrivelmente bom. Pode soar obsessivo, e talvez seja, mas a mediocridade me apavora, e para tocar, praticar ou jogar mal, a não ser que seja muitíssimo prazeroso, não vale a pena.

Não se trata de um excesso de competitividade - até porque minha preguiça para divididas é maior -, eu só sustento a teoria de que somos pressionados e recalcados por tudo que veio antes, o que nos torna subdesenvolvidos, atrofiados, às vezes até natimortos. Além do conteúdo produzido até hoje ser incomensurável, vivemos a época que tudo está disponível o tempo todo; pegamos gosto por alguma coisa, vamos nos aprofundando naquilo, descobrimos referências, e elas jamais findam, seja no rock, na poesia, na pintura e até no futebol.

Um menino de Liverpool que pega uma guitarra com interesse pela primeira vez, um dia saberá dos Beatles e dos outros tantos, e é provável que seja esmagado por eles. A reação natural é dizer "Que isso! Ele vai ver que pode chegar lá também e isso será uma motição" ou "Nada! Vai pegar essas referências e absorvê-las". Pode ser, mas Messi é o maior artilheiro da história do Barcelona, três vezes melhor do mundo, um gênio incontestável e segue sendo comparado a Maradona e, logo, a Pelé. Mesmo em seu íntimo, quando deita a cabeça no travesseiro, Messi, como já admitiu, deve pensar em como Ronaldinho fazia aquelas mágicas. Neymar é Neymar, mas pensa em Messi, em ser Messi; melhor que Messi. E os que nunca chegam? Para os deuses já é doloroso, imagine para os mortais. Em quatro épocas diferentes da minha vida eu comecei a escrever um livro, e em nenhuma delas passei da página 25. Na 26ª, ou algo muito próximo disso, eu reli, lembrei dos meus autores-referência, senti desgoto pelo meu texto e chorei. Talvez eu me cobre muito ou talvez o mundo simplesmente esteja  ficando cada vez mais difícil de tão saturado. Vai saber.


Por Beto Passeri.



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