terça-feira, 28 de agosto de 2012

"Strange Fruit" do primeiro turno


"Nova York, 1939. Os garçons interrompem o atendimento, a clientela silencia e um breu retumbante toma a sala do Café Society, um bar construído no porão da Sheridan Square, no Greenwich Village. No escuro infinito, um ínfimo rasgo de luz focaliza o rosto de Billie Holiday. Um piano chama e Strange Fruit brota. Em apenas três minutos a escuridão da noite torna a invadir o café. É o tempo necessário para que ela entoe seu número final. Billie deixa o palco. Sem despedida, bis, nada. Apenas escuro e silêncio. Até que uma mão se junta a outra, e uma ovação inunda a sala. Mas não há volta. A diva não reaparece. E, invariavelmente, a cena se repete nas noites nova-iorquinas de 1939."

Doze anos após ser publicado nos Estados Unidos, o livro Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de Uma Canção, do jornalista norte-americano David Margolick, chega ao Brasil para contar a história de uma das músicas mais impactantes de todos os tempos. O jazz-hino, que para Margolick "contém toda a história dos direitos civis nos Estados Unidos", é considerado o primeiro protesto explícito contra o racismo que ocorria principalmente no sul do país. As linhas angustiantes do poema relatam metaforicamente a forma como os negros eram linchados, e seus corpos pendurados em árvores para apodrecerem, tais como "frutos estranhos".

Não bastasse à época o impacto causado pela letra e sua autoria - de Abel Meeropol, judeu comunista -, a canção era interpretada pela voz icônica e carregada de desprezo de Billie Holiday - negra e viciada em drogas. O que poderia ser um pesadelo pior para o americano 'comum' em plena Segunda Guerra?

Belo Horizonte, 2012. O borburinho do estádio emudece; no imaginário coletivo, quase tudo se apaga, e um solitário feixe de luz ilumina a camisa 10. Mais grená do que alvinegra, mais catalã do que mineira. Algum pandeiro pede, o dono da 10 parte do meio-campo sambando com um, dois, e define para algum companheiro o destino: seco, cirúrgico. O jogo termina, são mais três pontos para o Atlético Mineiro, e o treinador à beira do gramado segue montado em sua melancolia. E, invariavelmente, a cena se repete nas tardes dominicais de Campeonato Brasileiro

Apodrecendo há anos em alguma árvore no futebol nacional, o Atlético Mineiro passou a primeira metade do campeonato sem ser levado a sério. Rodada após rodada, estavam todos à espera, não do tropeço, mas da total derrocada do Galo. E ainda estão. Falta de títulos, fracassos consecutivos, ausência de ídolos, a superioridade do rival...e lá se foi o respeito. Alguns questionam a real grandeza do clube, mas na realidade o que há no ar é uma pertubação coletiva pelo estranho. Pelo fruto estranho.

Quarenta e um anos após a conquista do título Brasileiro, o Atlético acaba de realizar a melhor campanha de primeiro turno da história dos pontos corridos. Aproveitamento de quase 80%, com uma derrota apenas(para o São Paulo, no Morumbi). Os principais responsáveis por esse sucesso são Cuca - uma espécie de anti-herói amaldiçoado -, e Ronaldinho Gaúcho em grande forma, chamando para si a liderança de uma equipe(?!).

O que poderia ser um pesadelo mais esquisito para o espectador de futebol comum?


Por Beto Passeri.






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