terça-feira, 5 de junho de 2012

Boca sem Dente



Para ler ao som de um clássico do Samba na voz do Grupo Revelação:
Boca sem dente - Grupo Revelação

A ingratidão é, talvez, o mais cruel dos sentimentos. Diferentemente de outros também odiáveis, como a temida raiva, aquele que é recebido pela ingratidão é colocado em posição menor, passiva. Obviamente, ao proteger em redomas pessoas sem análise prévia do histórico de tais, o benevolente abre uma brecha para que floresça a venenosa traição. Na hora, entretanto, pouco importa: vale a pena, por que não arriscar? Viver do retilíneo do calendário não parece um projeto excitante. Encontrar em algo o Oásis, a Redenção, é a posição mais otimista, que mais entusiasma o homem a pôr-se de pé ao soar o despertador. Sem a busca pelas paixões, tudo é vazio, sem sentido.

Isso explica a sede da Gávea lotada no começo de 2011 para a chegada do Ronaldo Gaúcho. Após o ano mais duro da história do centenário Rubro-Negro, que contou com a eliminação da Libertadores, briga contra o rebaixamento, 'apedrejamento' público do maior ídolo do Flamengo, agressões contra mulher na favela, sequestro e assassinato, entrar na parada por Ronaldinho parecia ser a resposta para todas as dores da imensa população que veste vermelho e preto em dia de jogo. Como um beijo úmido dado a um boêmio faz imaginar a regeneração, a chegada do melhor jogador do mundo em 2005 e 2006 trazia a esperança pra aquela gente que, não satisfeita com o martírio duro de seus cotidianos, ainda tinha no Flamengo mais uma fonte imaginação.

E em meio a sorrisos e bandeiras tremulantes, deu-se a recepção do último romântico do futebol (nome dado por Romário ao Camisa 10 da Seleção em 2006). Digo aqui dos verdadeiros flamenguistas, da massa passional que é rubro-negra sem pedir recompensa que não alegria. Nada disso diz respeito aos dirigentes de interesses escusos e promíscuos. Pelo contrário, esses manipularam o bloco popular ao contratar Ronaldo em busca de popularidade (Patrícia Amorim é política, em 2012 tem eleição...), aqueles não pensavam nisso: só na magia de um homem aplaudido de pé pelo Santiago Bernabéu ao entrar em comunhão com o pesado pedaço de pano que, em dias de glória, foi de Zico.

Encheram de vida o azul pálido do Engenhão, botaram sangue no estádio que até então nunca havia pulsado. Em um mosaico de som e cor, estenderam os braços àquele que fracassara nas últimas temporadas no Barcelona e na passagem pela Itália de Berlusconi. Aqui será diferente, 'Flamengo é Flamengo'. As bocas abertas vibravam. Depois da tempestade, um horizonte claro se abria.  Era hora de se agarrar a única chance de voltar a sorrir. Embora o começo tenha sido de pouco entusiasmo, 'o cara merece uma chance, olha as bolas que ele passa'. Devia ser a falta de entrosamento, de ritmo.

Veio o fim do campeonato carioca e Ronaldinho trouxe alegria aos torcedores, mesmo sem jogar tudo o que se esperava dele. O que eles queriam mais? Um título conquistado e os dentes à mostra já estavam lá. Foi esquecida a dor do passado, o sonho se tornava realidade. Mais ainda quando começou o campeonato brasileiro, dois meses de astro com direito a calar o Santos do Neymar campeão da Libertadores na Vila Belmiro. Uma noite à caminhar de mão dadas com o bêbado e a certeza de uma longa história romântica. Ali estavam as bocas a aclamar.

Os pagamentos cessaram, o relacionamento com o técnico azedou, a imprensa perseguiu as noites do Camisa 10. A torcida não; perseguiu na procura pelo grande Gaúcho do Gol de David Seaman quando ele  mal conseguia ser o batedor oficial do seu time, lutando contra os figurões Renato Abreu e Dario Botinelli. O bêbado marca encontro e aguarda no bar, ela merece esse crédito, não? Trata-se de um gigante que alcançou novamente a titularidade na Seleção Brasileira. As bocas calaram, aguardaram. Se os adversários questionavam é por inveja, sentimento baixo.

Tudo indicava um fim próximo, transparente para os embriagados apaixonados pela farsa que era a presença de uma sombra daquele que um dia brilhara no Camp Nou. Transparente sim, invisível não. Estava na cara, era a trajetória que havia sido trilhada no Grêmio, no Milan, no Barcelona e no PSG. Casos, acasos e ocasos, tudo indicando uma saída. Restava aguardar a regeneração. 'Ele ainda tem lampejos'. As bocas vaiaram e deram origem a um mal-estar evidente. Mas o som não era dos mal-intencionados, eles, ainda apaixonados, só cobravam do único que era capaz de dar magia ao time .

A eliminação da Libertadores foi preponderante para o fim da paciência dos fãs. A espera era vã, as noites nunca culminariam no futuro prometido. Vieram o problema de saúde com a mãe, a ausência no amistoso com o selecionado do Piauí, a aparição do processo trabalhista contra o Flamengo e a chegada ao Atlético Mineiro. Consolidou-se o último movimento da punhalada pelas costas tramada há meses. No momento em que o Vermelho e Preto se tornou hostil, o palco ruiu e o gaúcho procurou outras ares. As bocas agora ironizam, com o jeito típico de quem teme que o sucesso reapareça em Belo Horizonte.

Por mais que haja comemoração, a ingratidão de Ronaldinho Gaúcho para com todo o ambiente criado dói em cada um dos flamenguistas que proporcionaram a festa de chegada, o otimismo nas jogadas e a consideração nas trapalhadas. O cotidiano se mostra frio a todos eles, sem um álibi para acreditar em tempos dourados em um curto espaço de tempo. As bocas suspiram e se dão conta de quão artificiais eram os dentes que passaram por elas. Não foi obra da fatalidade e há, sinceramente, a vontade de vê-lo sofrer.

Duro, mas passou.


Por Helcio Herbert Neto.

3 comentários:

  1. Pura hipocrisia!!
    O que dói é o Flamengo não pagar em dia.

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  2. AFF!!! Que texto ridículo!!! A dor que deveria ser sentida é que o Flamengo tenha uma diretoria amadora que consegue ficar devendo mais 85 milhões para 5 ou 6 jogadores que nem jogam mais.

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  3. Só tenho uma coisa a dizer: CHUPA MULAMBOS!!!!!! KKKK!!! E a Rede Globo cai do cavalo mais um vez!!

    Glenyo Lopes
    Goiania GO

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