segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Vitória do Ruído



Esqueçamos, por alguns parágrafos, a origem do dinheiro. Sim, proponho (fato inédito nas cercanias virtuais desse esquecido blog) que não sejamos tão críticos nesse instantante   e somente durante o saltar dos olhos por essas linhas. Não há aqui uma salva de palmas à afirmação: 'o futebol é o ópio do povo'; o que existe nessas linhas é um suspiro quente e aliviado de quem prendeu a respiração por segundos centenários,  a  calma e o sorriso de canto de boca subsequentes. O sorriso do campeão, que tem no segundo posterior ao apito a redenção das filas irracionais, do sofrimento sem sentido, do amor sem nada em troca.

Poderia muito bem me referir ao primeiro tricampeonato de um time paulista após a Era Pelé conquistado pelo Santos ou ao título carioca do Fluminense depois de sete longos anos. Mas recorro a uma dor maior, mais longa. A uma sangria que durou mais de quarenta anos e contou com rebaixamentos, perda de importância no cenário nacional e uma invisibilidade agonizante. Recorro aos vizinhos do gigantesco e silencioso teatro dos sonhos. Ao arquirrival do hegemônico, do time azul e dourado que, de tanto fazer barulho, fez sucumbir demônio que o aterrorizou esteve no topo do futebol planetário.

Manchester City. O campeão da Inglaterra. Quem esperava por essa manchete há 3 anos? Não venham me dizer que aqueles que sempre lotaram o estádio City of Manchester acreditavam na cena que o capitão Kompany portagonizou com a taça na mão no fim do jogo de domingo. Não. Aquela multidão azul estava lá só para gritar, para incomodar a vizinhança educada e bem-sucedida. Estavam satisfeitos por celebrar a festa do futebol apesar de, obviamente, quererem reconquistar o título nacional.  E tiveram calma e pulmão. Calma para esperar e aceitar as provocação do United, pulmão para gritar mais alto que qualquer outra torcida na fria Grã-Bretanha.

Contrariando o esteriótipo do britânico polido, de expressões gestuais suaves, que evita chamar a atenção, os 'cidadãos' (ou citizens, para os adeptos do estrangeirismo) continuavam a gritar. Chegaram grandes atletas, nomes de importância no futebol. E eles não aumentaram o tom de voz. Nem podiam. Sempre utilizaram o máximo do seu potencial vocal. Toda segunda-feira era igual: dor de garganta, rouquidão. No trabalho, era sabido quem era torcedor do City. 'Esses mal-educados ainda atrapalham suas vidas profissionais por causa da insanidade dos dias de jogo'. Nunca iriam entender.

Continuaram a berrar. Veio o primeiro título após uma longa espera. Cantaram. Ainda não era expressivo, grande o suficiente para incomodar os Diabos que moravam ao lado. Cantaram mais. Ficaram entre os melhores do país, alcançaram a Liga dos Campeões. Gritaram. Foram eliminados pelo Napoli, o chão sumiu aos pés, o ano que parecia iluminado tremulou. Gritaram mais. Chegaram a ultima rodada dependendo só de si para irradiar todo aquele som para toda a Ilha da Rainha.

Tudo bem, campeão, sem fazer a terra tremer pelas cordas vocais? Impossível. Não para aquela multidão que nunca deixou de estar ao escudo alado. O time fraquejou no jogo final, foi apático. Os críticos já tiravam o pó das bandeiras que acusam os jogadores do Manchester City de mercenários e começavam a armá-las. Entretanto, não importava quem estivesse vestindo a camisa azul clara naquele dia. Ninguém poderia se abster daquela luta que já durava quase meio século. A luta daquelas olheiras de começo de semana contra a boca cheia de dentes. 

Deu-se a vitória do menor contra o maior, da inversão. Da irreverência de Mario Balotelli, da inconstância de Carlos Tevez, da vontade desmedida de Nigel de Jong. Contra um inimigo estratificado e hierárquico, surgiu o pouco usual. No lado menos condecorado de Manchester (nem mesmo há por aquelas bandas um título de Sir) surgiu a subversão, a sabotagem. Na hora em que o City levantou a taça o calendário foi marcado e, finalmente, o barulho venceu o silêncio.




Por Helcio Herbert Neto.

3 comentários:

  1. Belíssimo texto!
    Go Citizens!

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  2. Realmente um belissímo texto.
    Mas deixemos a poética de lado e o aviso na primeira estrofe...
    Não se pode negar que o City já não é o cachorro vira-lata de Manchester como outrora.
    Essa história de o pequeno venceu o grande só cabe aqui se seguirmos tal conselho: "Esqueçamos, por alguns parágrafos, a origem do dinheiro. Sim, proponho (fato inédito nas cercanias virtuais desse esquecido blog) que não sejamos tão críticos nesse instantante – e somente durante o saltar dos olhos por essas linhas."

    Ms parabéns pelo texto extremamente bem escrito e emotivo.

    Abraços,

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  3. Com certeza. O futebol encanta a gente, realmente nos emociona. Mas a gente não pode se deixar levar, não por em prática o exercício crítico. É para isso que estamos aqui! haha. Um grande abraço e continue nos seguindo, é sempre bom discutirmos sobre o nosso esporte.

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