quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Tempo de Previsões


                             


Fim do Campeonato e chega a hora daqueles que se esconderam durante todo o Brasileirão aparecerem com as previsões. Com a disputa restrita a duas equipes, os cronistas clarividentes têm maior chance de acertar e lançam suas apostas: os mais conservadores ignoram a alma que envolve o time de Dedé, Juninho Pernambucano e Felipe e apostam no Corinthians; os outros vão contra a estabilidade do metódico time que permaneceu na ponta a maior parte da competição e, fascinados pela ascensão do Vasco, preveem o time Cruzmaltino como o Campeão Nacional de 2011. Para mim, a banca já fechou. Meu palpite já foi dado em postagens anteriores e não convém repeti-lo sob a cornetas do apoteótico final do primeiro Campeonato Brasileiro dos Clássicos. Minhas previsões hoje são sobre temas muito mais fáceis de acertar.

Em mais um espetáculo televisionado, a Rocinha foi ocupada. Novamente sobe a bandeira nacional, renovam-se os votos por uma Olimpíada Pacífica no Rio de Janeiro e a popularidade do Governador tenta tornar a subir após meses de decadência. Adotando a tática americana de 'Guerra ao Terror', Sérgio Cabral vai invadindo esses Iraques e Afeganistões que temos nos morros por aqui. E nessa hora surge o velho discurso da chegada do progresso nos jornais, televisões e páginas da internet.

'A Rocinha é Nossa', anunciava O GLOBO no auge da euforia da ocupação, proclamando a Boa-Nova da chegada do Estado na Favela. O exército de mão-de-obra que acorda ainda pela madrugada e vai trabalhar, principalmente pelas ruas da Zona Sul e da Barra da Tijuca, muito próximas à favela,  é esquecido pelo editor do jornal mais poderoso do Rio de Janeiro. Segundo a manchete do jornal, aquela gente não era carioca, não era brasileira. Somente com a chegada da força, representada pela 'pacificadora' Polícia Militar, é que aquela multidão teve seu passaporte brasileiro aceito.

E é a partir de agora que começam as previsões nada esotéricas sobre o futuro da gente do morro. O Rio de Janeiro começa a resolver uma questão crucial para o mercado imobiliário. Diferentemente de outros municípios, o Rio não possui uma periferia bem definida. Isso causa a desvalorização de imóveis de classe média, além de náuseas na elite, que é obrigada a conviver com a  realidade dura da maior parte dos cariocas. Com a chegada da Paz Armada às favelas, tendo como o mais bem-definido exemplo a recém-ocupada Rocinha, aos poucos o progresso começará a mostrar sua opressão. Por meio de um discurso de 'obras de infraestrutura', alguns moradores serão desalocados. 

Contudo, essa será somente a primeira fase. Depois das obras de benefício 'público', vão chegar taxações e impostos. Nada de assustador, apenas valores simbólicos em um primeiro momento. Entretanto, com o passar do tempo, esse valor vai aumentando, bem como o valor dos imóveis na região. As propostas pelas casas que restaram será irresistível para aquele povo que sobrevive com mínimos salários. Como resultado da Ocupação Policial, acontecerá uma marcha para o oeste da cidade, onde o padrão de vida é inegavelmente mais barato.

Políticas para os bairros pobres da Zona Oeste e da Zona Norte não há. Transportes, moradia, educação, saúde permanecerão estagnadas. Os ex-moradores das comunidades ocupadas vão se aglutinar em regiões que não lhes oferecerão uma vida saudável. Dessa forma, acaba o processo de higienização da Zona Sul e dos bairros de classe média da Zona Norte que teve como estopim, como energia de ativação os espetáculos esportivos. A vida da parte mitificada do Rio de Janeiro fica cada vez mais bonita: menos pobreza, menos fome, menos constrangimento pela dor alheia. Resta apenas a paisagem extasiante e a brisa fresca do mar.

Seria um triste fim para a convivência que originou, entre outras coisas, a Bossa Nova e o amor incondicional pelo futebol. Não obstante, tudo aqui escrito não possui consistência teórica ou comprovação dos especialistas internacionais em futurologia. São somente palpites, divagações. Ainda há gente que acredita em Cartolas, Políticos e justiça social nas terras de São Sebastião. E quem sou eu pra destruir as esperanças dessas pessoas.

Por Helcio Herbert Neto.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A última jogada de Ricardo Teixeira


"Olhe bem para esta foto.

Ela foi tirada na última terça-feira, por ocasião do jantar que o empresário José Victor Oliva (em pé, no meio, careca) ofereceu ao narrador Galvão Bueno, ao seu lado, taça de vinho na mão.

Note bem quem é a figura poderosa da imagem, o que está cercado pelos demais, no centro de tudo.

Sim, é ele, Andrés Sanchez, o ainda presidente do Corinthians, anunciado ontem como novo diretor de seleções da CBF.

Nos extremos opostos, à esquerda, o também empresário José Hawilla, e o cartola Ricardo Teixeira, uma relação que já foi sólida e que hoje quase que apenas mantém as aparências, tantos foram os tombos recentes sofridos pelo dono da Traffic.

Mas o essencial é mostrar como Teixeira aparece como coadjuvante, ao lado de Ronaldo Fenômeno, para entender o noticiário mais recente, que dá conta, também, de um convite do presidente da CBF e do COL para que o ex-jogador assuma o papel que Michel Platini fez na Copa da França e Franz Beckembauer desempenhou na Copa da Alemanha, como está na coluna Panorama Esportivo, de O Globo, de ontem.

Teixeira andava isolado a tal ponto que o deputado Romário o humilhou na Câmara dos Deputados e quase não houve reação da bancada da bola.

A Fifa até quis entregar sua cabeça a Dilma Rousseff que preferiu deixar o problema com a Fifa.

Externamente, Teixeira buscou os apoios de Jack Warner, da Concacaf, de Nicolás Leoz, da Conmebol, de Julio Grondona, da AFA e do quatari que a Fifa baniu, Bin Hammam, o homem que separou definitivamente Joseph Blatter de Teixeira.

E internamente, ao buscar sair dos holofotes, Teixeira, para voltar a ser o homem das sombras, das articulações de bastidores, chamou Sanchez para a CBF e Ronaldo para o COL.

E não há de ter sido à toa que disse, assim que tornou pública a contratação de Sanchez, diante dos jornalistas, que era preciso telefonar para Lula para contar a novidade.

Ele sabe que ninguém que tenha a simpatia de Lula estará isolado no Brasil."



Do Blog do Juca Kfouri.


Por Beto Passeri.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O despertar de um pesadelo


O Vasco joga daqui a pouco, em São Januário, contra a Universidad de Chile para cumprir tabela. Não questiono a importância da Copa Sul-Americana, tampouco tenho o resultado como previsível. Nada que se entenda. É que já não se trata mais de campeonato - ou de campeonatos se incluirmos aí o Brasileirão; não se trata mais de competição, de afirmar alguma coisa ou tirar mais sarro dos rivais.

O Vasco extrapolou a esfera do que era possível este ano, antes mesmo que ele acabasse – e não está nem perto de acabar para um time que disputa dois títulos dessa grandeza. Que dê Corinthians ou Fluminense no Brasileiro, que dê La U na Sul-Americana, que o Vasco sofra uma goleada em casa hoje, como sofreu o Flamengo. Pouco importa. 2011 é do Vasco. E é pra história.

Alguém (leia-se muita gente) menos atento e menos sensível pode dizer “por que ganhou uma Copa do Brasil e ainda está disputando dois títulos mesmo depois do problema do Ricardo Gomes?”. Isso, por si só, já seria motivo suficiente para pelo menos um grandioso parabéns ao Vasco. Mas não é.

O futebol não tem muita explicação, isso todo mundo já sabe. Mas meu lado racional me puxa a tentar compreender esse fantasma que assolou São Januário durante uma década inteira. Existe política no meio, escândalos, interesses, azar, uma série de fatores que não me levarão a lugar algum e que me fazem tentar compreender, então, outra coisa. O reflexo disso.

Campeão Brasileiro incontestável em 97, campeão carioca em 98. Nos pés de Edmundo, a humilhação do Rio de Janeiro e do resto do Brasil. Ainda em 98, a Libertadores; nos pés de Juninho, a conquista da América. O time que carrega o nome do heroico navegador português cruza os mares para fincar a bandeira no topo do mundo, mas por algum motivo desses que o futebol e nem a vida explicam, não deu.

Como que para expurgar o “fracasso” de uma época áurea, em 99 vem a conquista do extinto Rio-São Paulo, e em 2000 mais um Brasileiro e a conquista antológica da Mercosul. Como se fosse possível, o Gigante da Colina fica ainda maior. O clube com uma das histórias mais bonitas do Brasil, da luta pelos negros e dos títulos infindáveis parece ter chegado ao topo.

O Vasco se apequena a partir daí, e um título Carioca em 2003 é a única coisa considerável da pior época do clube. O cruzmaltino ganha a humilhante fama de “vice” do seu maior rival, Flamengo, e o rebaixamento em 2008 submete seus torcedores a uma vergonha que não pode ser definida com palavras. Um ano inteiro que representa uma década de silêncio. A ausência de conquistas, o desgosto pelas imundices políticas e a falta de identificação com os seguidos times.

Mas falamos de Gigante. Mais que uma história e um símbolo, uma legião de apaixonados incondicionais. Dia após dia, jogo após jogo e, acima de tudo, lágrima após lágrima, o Vasco se livra do poço de 2009, e em 2010 está de volta à elite do futebol.

Um ano apático, sem gosto, sem sentido. Um ano que serviu para reequilíbrio, mas que era impossível de ser enxergado. E 2011 começa impiedoso, com o pior início da história no Carioca e com torcedores cansados das chagas impostas pelo destino do futebol. Eis que surge a figura de Ricardo Gomes.

O time que era "fraco" começa a se fechar, ganhar corpo e vai à final da Copa do Brasil. Após dois jogos, onde por muitas vezes a multidão de vascaínos pensou se o destino poderia ou não ser tão cruel, onde o mais otimista dos torcedores mantinha um dos pés – maltratado pelos últimos anos – atrás, o Vasco se sagrou campeão da Copa do Brasil e assegurou sua vaga na Libertadores depois de onze longos anos.


O normal seria se acomodar e se preparar para o ano seguinte, como fazem – erroneamente – todos os times que asseguram vaga antecipada para a Libertadores. Mas não se trata, como disse, de UM título, de uma vaga ou de um bom ano.

Com o retorno, por tanto tempo aguardado, de Juninho, e com o time confiante, Ricardo Gomes sentiu que dava. E estava dando. Mas a pressão foi demais e um AVC acometeu o técnico cruzmaltino ao fim do primeiro turno.

Qualquer um se abate com a queda de seu comandante, qualquer exército recua com a perda de seu general. Mas eu falo de 16 milhões de vozes de comando. Eu falo de um "sentimento que não para", que não tem tempo para parar. E eu falo de um time maduro, que assimilou sua missão perante aos obstáculos e não tomou conhecimento.

Eu falo de um zagueiro que se tornou mito para sua torcida. Eu falo de um dos maiores ídolos da história do clube com a eternizada camisa 8; falo de um Felipe consciente da grandeza do Vasco e do seu dever como maestro. Falo de um Diego Souza que entendeu, na dor de um passado recente, como é se apegar mesmo a uma camisa. E falo do sentimento que norteia esse time inteiro e sua torcida. A identificação e a vontade fazem o Vasco entrar em campo quase que num ar de vingança e vencer seus adversários.

A vingança doce e saudável por uma década inteira de sofrimento, por cada lágrima derrubada na camisa desgastada de tanto torcer em vão. A vingança por cada grito de euforia rubro-negro em 2009 e tricolor em 2010 nos títulos brasileiros. A vingança pela impotência em que o clube se encontrou em determinado momento e que, não fosse tamanha paixão, faria o torcedor ver naquilo uma realidade. Não era realidade. Esta é. O pesadelo acabou, Vasco da Gama.


Por Beto Passeri.

domingo, 20 de novembro de 2011

Aos Iluminados


Andamos por aí cometendo erros a toda hora. Os especialistas analisam de fora, sentenciam a imoralidade de nossos atos e determinam o fracasso de nossas jornadas. Como reflexo desse julgamento externo sucumbimos, sentimos o peso das palavras alheias. Contudo, o tempo passa. O caminho tortuoso mostra-se com destino certo, e a vitória vem. Na manhã seguinte, um mar de sorrisos hipócritas inunda a vizinhança, os que alardeavam o fim próximo aplaudem efusivamente a auto-determinação do vencedor.

Assim também é o percurso de Adriano. Diferentemente da carreira de Ronaldo, o Imperador não teve em limitações físicas suas barreiras. O atual Camisa 10 do Corinthians sempre padeceu de seu comportamento nada ortodoxo, por suas escolhas. Isso põe ele mais ainda sob os julgamentos dos especialistas na vida humana que comentam o futebol como profissão. Apesar de ter vivido inúmeros problemas em sua vida pessoal e ter passado por duas lesões consecutivas em um período pouco maior que um ano, vinham as críticas. Gordo, irresponsável, bandido.

E lá continuava Adriano. Unido aos seus companheiros, treinando, ouvindo. Parecia que finalmente, nesse momento, as profecias da moral iam se legitimar e o Imperador ia sucumbir, cair de joelhos. O Corinthians conseguia se manter na briga pelo título pela raça, pela vontade. Entretanto, faltava alguma coisa. Uma coisa que os Flamenguistas viveram em 2009 e que anda escassa por esses dias. Um sentimento que parte de uma figura única, que contraria as convenções e permanece humana apesar do mercado que abraça o futebol hoje em dia.

Errou quem pensou que essa luz capaz de sacramentar o Corinthians como campeão Brasileiro de 2011 viria da habilidade da mais cara contratação do futebol paulista nesse ano. Todavia, esse erro é comum. Os dirigentes do Flamengo também acreditavam que com a habilidade de um dos melhores jogadores da década conseguiriam montar um elenco campeão. Ledo engano. Pensar que o esporte das multidões é movido somente pela técnica é uma ignorância sem tamanho. O feixe luminoso capaz de iluminar o precário e instável universo corintiano vem das ações dos que erram e tem a dignidade de reescrever a história, dos que tem a bravura de não se abater; vem da personalidade de Adriano.

Ele que sempre esteve lá, que fez parte dos bastidores da tensa temporada no Parque São Jorge, que foi o mártir daquele grupo. Agora faltam dois jogos, duas batalhas, para abater o forte time do Vasco que ainda permanece na luta. Talvez a mais estável, essa equipe de São Januário foi a responsável por expurgar as trevas que pairavam por São Cristóvão há dez anos. Fácil? Não. E quem disse que o caminho fácil é o mais encantador?

Adriano, hoje, foi todos nós. Todos que insistem em viver, em errar e, por exaustão, acabam por vencer.


Por Helcio Herbert Neto.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Quem leva o "caneco" ?



Corinthians, Vasco, Fluminense, Botafogo, Flamengo e até o Figueirense. Esses seis times chegam na reta final do campeonato com chances de conquistar o título.

O Corinthians, com um time bem montado por Tite, está na ponta, mas vem querendo a cada rodada entregar a liderança. Considerado por muitos um time sem estrelas, mas com elenco forte, o "Timão" depende muito do coletivo para triunfar.

O Vasco vem logo atrás; com um time experiente e com muita força no campeonato, o time de São Januário busca um título em homenagem ao treinador Ricardo Gomes (que sofreu um AVC) e para o
ex-massagista do clube, Pai Santana, que faleceu recentemente.

O atual campeão brasileiro parece que resolveu acordar para o campeonato e manter a taça em Laranjeiras. Com a melhor campanha do segundo turno e muito embalado, o tricolor carioca vem forte nessa disputa.

O Botafogo, dentre os postulantes ao título, parece o menos confiante, eu diria. O treinador não agrada a torcida, que volta e meia o chama de burro e pede sua saída. Mas com o, que eu considero, melhor meio campo do Brasil, liderado por Renato, que voltou para o Brasil esbanjando categoria, ainda tem chances.

O Flamengo começou bem o campeonato, seguiu invicto até quase o final do primeiro turno, depois passou dez jogos sem vencer. Em qualquer outro campeonato do mundo, o Flamengo não estaria brigando pelo título, mas como esse campeonato é tão parelho, o time de Ronaldinho Gaúcho ainda sonha com o Hepta.

Voltemos ao começo do campeonato, onde comentaristas e torcedores davam seus pitacos sobre o possível campeão. Nem o mais otimista dos torcedores do Figueirense apostava no título, o mais audacioso cogitava libertadores. E está aí. O Figueirense, comandado brilhantemente por
Jorginho, e jogando da mesma forma dentro e fora de casa, está sim na briga.

E em um campeonato em que o lanterna de vez em quando apronta pra cima dos líderes e um time que era citado como favorito ao título está brigando pra não cair (Cruzeiro), não seria nenhuma surpresa se o "caneco" acabasse na sala de troféus do Orlando Scarpelli.


Por Felipe Exaltação.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Dividir para Conquistar


Nada mais propício para a criação de um ambiente amigável para a recepção de grandes espetáculos do esporte do que a fragmentação. Pelo menos é isso que demonstram as articulações de políticos e autoridades responsáveis por federações esportivas internacionais em relação ao cenário Brasileiro para a realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Em uma guerra de vaidades entre governantes, FIFA, COI e cartões-postais, os Estados da União acabam por dificultar a realização de eventos capazes de distribuir de maneira mais equânime possível as benesses trazidas nessa empreitada. E o pior é que a população assimila esse roteiro de intrigas e já o toma como seu.

É bem verdade que, historicamente, o processo de intensificação do federalismo é marcado por sístoles e diástoles. Geralmente os momentos mais tensos têm como estopim a saída de um líder carismático e o surgimento de um hiato no imaginário do povo. Basta recordar da efervescência das aristocracias após a saída de Dom Pedro I, exigindo a posse de um Imperador pré-adolescente, que recém saído das fraldas, haveria de tomar conta de um império tropical. Ou mesmo após a saída do Segundo Pedro, a implementação de uma República e a sucessão entre São Paulo e Minas Gerais na Presidência, que trouxeram insatisfação a vários outros estados do país. A Solução veio do Rio Grande do Sul e culminou no Populismo Varguista.

Após uma linhagem de presidentes populares, vem o Golpe e a vontade de calar reclamações. Um federalismo sem-graça, que mais partia de uma precaução Militar do que de uma vontade regional, já que nessa época eram escassas as vontades que ainda estavam, literalmente, vivas. Depois vieram a Anistia, a Reabertura, as eleições. O discurso de representação regional ficou de lado, esquecido quando observado o panorama político. Entretanto, nas relações do dia-a-dia, as rivalidades permaneceram latentes, mesmo que pequenas brincadeiras.

O bravo Rio Grande do Sul, seu platinismo e o distanciamento do resto do país; As rixas entre os estados nordestinos; A cisão do Pará; Os arquirivais Rio e São Paulo. Temas recorrentes nas ruas, bares, escolas e jornaleiros que, muitas vezes, entram até no cenário futebolístico. O bairrismo clubístico é um exemplo disso. E é desse discurso que os organizadores das Olimpíadas e da Copa do Mundo se apóiam para deixar de lado os anseios populares e dominar essa organização. Como no Imperialismo Europeu na Ásia e África no século XIX: dividir para conquistar.

É evidente a euforia no Rio de Janeiro, basta notar a especulação imobiliária. A Cidade-sede da Olimpíada de 2016 gera inveja dos governantes dos outros estados ao sorrir como nos tempos da Velha Guanabara, apesar de seu Maracanã deflorado e de sua gente varrida como poeira pelas remoções. Também é notório o afastamento de Dilma em relação a Teixeira e à FIFA. Contudo, dissociar o Maior Palco Popular do Mundo da Seleção Verde e Amarela é um pecado imperdoável, tal qual repartir a África como Pizza e saborear seus diamantes na sobremesa.

Aproveitando-se da conjuntura, a CBF distribui os jogos para estados de Tucanos, rivais do PT, como resposta a falta de carinho da Presidenta. Assim, incentivou mais o choque entre os moradores de localidades diferentes do Brasil. Fazem parte da mesma estratégia o leilão pela partida de abertura e pelo centro de imprensa, e a criação de estádios que mais parecem discos voadores alienígenas em áreas com pouca expressão no cenário da bola. Juntam-se ao Circo as bajulações de prefeitos e governadores e uma suposta vitória no embate com a FIFA na questão da meia-entrada na Copa. Tudo politicagem barata que fomenta um amor cego ao estado esquecido há anos.

Quilometricamente distante dessas discussões está a luta pela chegada do desenvolvimento ao povo brasileiro por meio desses eventos esportivos que o país receberá. Longe do noticiário, abandonadas nos cantos de páginas, a varredura das favelas para a Zona Oeste, o esquecimento do esporte educacional e a manutenção do controle dos transportes nas mãos de um pequeno e ganancioso grupo de empresários que pouco se importa com a eficiência do serviço prestado parecem não ter importância. O necessário é saber quanto o rival do estado ao lado perdeu na distribuição de migalhas na porta da Igreja da FIFA: enquanto começa nossa briga tribal, enchem-se os bolsos do Comando Delta.


Por Helcio Herbert Neto.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Futebopatia: 24 horas



13 horas. Mal os olhos se abrem e a confirmação de que o domingo nasceu vem da mesma forma como em quase todas as outras vezes até onde sua memória alcança. A cabeça girando estática no travesseiro, a saliva – escassa- com o gosto putrefato de anteontem, e o sol perfurando a cortina para torrar a pele besuntada em óleo do semimorto em questão caracterizam uma ressaca que o faz lembrar que está bem vivo.

Se já não fosse uma espécie de hábito dominical, teria permanecido ali, imóvel, horas e horas, até morrer desidratado. Mas levantou rápido, esquivando-se das lambidas do cão incompreendido que não compreende as cicatrizes do álcool. Meteu a mão na maior garrafa de água que viu na geladeira e quase a terminou em uma talagada só enquanto se dirigia ao banheiro.

Ali era onde ocorria uma espécie de milagre da ressurreição: terminava sua água – quase benta -, ingeria um daqueles comprimidos salvadores, escovava duas ou três vezes os dentes e se enfiava numa ducha de água gelada que lhe lavava o fígado, ou melhor, a alma.

14 horas. Está novo de novo, vivo e mais faminto do que nunca. Esquenta rapidamente o almoço no micro-ondas e abre o jornal que tanto critica para criticar. O caderno de esportes fica como uma espécie de bandeja embaixo do prato, e a refeição segue vagarosamente sob ponderações e ressalvas às matérias e colunas impressas em papel velho.

15 horas. Ainda falta para o evento principal do dia, então ele liga o computador e vai caçar futebol aonde realmente gosta. Desbrava os portais de cima a baixo, revê o igual do jornal impresso, lê e comenta os blogs que segue, e quando se sente satisfeito de conteúdo esportivo, a comida está fazendo efeito, sua última ponta de dor de cabeça se esvai e já é hora de encontrar os amigos.

17 horas. Sob o álibi da ressaca e da distância, eles trocam o calor do Engenho de Dentro pelo conforto do bar perto de casa para assistir Flamengo e Cruzeiro. Opiniões divergentes na mesa temperam a discussão suculenta que vai sendo beliscada junto com a cerveja estúpida enquanto o Urubu engole a Raposa por 5 a 1.

19 horas. Já havia começado Fluminense e Inter quando o garçom, sob ordens, mudou o canal. Tudo fica mais fácil. A concentração na TV diminui, os goles e a conversa se intensificam, e o jogo, apesar de bom, pode terminar porque o empate é o melhor resultado.

21 horas. Do bar para a pelada sagrada de todo domingo. Ali os homens despem-se de suas profissões para se vestirem e se sentirem como jogadores que sempre sonharam ser. E enquanto os times são escolhidos, abandonam os bordões de suas respectivas carreiras para falarem uma só língua ao discutirem os resultados da rodada do Brasileirão.

23 horas. O banho não ameniza a adrenalina do futebol, e o sono, então, se torna difícil. Saturado de ouvir os comentaristas e sem saco para filmes ou seriados, ele liga o videogame e joga uma meia dúzia de partidas de futebol virtual antes de se render à cama.

00 às 9 horas. Sonha com o chutaço disparado na pelada, que bateu na trave, entrando, mas na comemoração a arquibancada fica enorme, torcedores gritam o seu nome e ele abraça companheiros com a camisa da seleção brasileira. Entre uma imagem e outra, palavras picadas que não fazem sentido algum, mas que serão úteis no dia seguinte.

13 horas. E foram. 24 horas de futebol, como em todos os domingos.



Por Beto Passeri.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Série Marginalizados: Fruto dos Rios de Euforia

Para ler ao som de: O Rappa - Papo de Surdo e Mudo

Sempre que cai a alvorada no bairro cumprem-se os dogmas do velho ritual pagão. Quando o Sol ousa repousar na encosta verde da Floresta da Tijuca, os bares recebem a gente da área, que, antes do último feixe luminoso, já inunda as ruas com bancos, cadeiras e alegrias. Dispostos a superar os problemas e a celebrar mais um dia que se vai, o povo encontra abrigo entre serras e rios, nessa terra onde paira o cheiro da madrugada.

Aldeia Campista. Interseção entre Vila Isabel, a Tijuca e o Andaraí, a região recebeu de braços abertos a família Dos Santos na chegada à Capital Federal. Vindos do interior do Maranhão, Dona Rosa e sua prole seguiram o fluxo dos nordestinos brasileiros. A fuga da seca, da fome e da sede traz os filhos do chão rachado ao Rio de Janeiro. Entretanto, um dos filhos dessa sofrida e batalhadora mulher teria o dom de brilhar nos gramados e espantar a dura miséria semi-árida nacional.

Era fim da década de Vinte e a Zona Norte não conseguia imaginar o fim de seu sofrimento. O filho de Dona Rosa via isso diariamente no trajeto que fazia até Bangu, onde jogava bola. O negro alto e forte não se destacava somente por seu porte. Uma habilidade incomum chamava atenção de quem assistia qualquer 5 minutos de seu futebol. Por mérito, chegou ao primeiro time do Bangu. Era adorado por seus companheiros de time, já que distribuía entre seus colegas os mais fáceis gols da história do Futebol Amador. Rapidamente, seu nome virou sinônimo de celebração.

Celebração no esporte, quando matava a bola no peito e a torcida vibrava com a iminência de uma bela jogada. Celebração na vida, quando erguia o copo e comemorava cada gol na noite carioca. Famoso freqüentador das abafadas e atraentes madrugadas do Rio, o nome de Fausto já era notável; tinha destaque nas manchetes dos periódicos esportivos e emanava das aguardentes nas esquinas do Subúrbio.

Com as longas e boêmias noites, Bangu ficava cada vez mais distante. A longa viagem começava a ser o álibi de atrasos e faltas. Largar a madrugada e dedicar-se plenamente a vida de atleta? Nunca. Buscar um clube que fosse mais próximo das redondezas do Rio Maracanã parecia uma alternativa mais plausível.

A camisa negra e a Cruz de Malta receberiam o meia que abandonara o clube alvi-rubro. Muito mais próximo da casa de Fausto, o Vasco seria sua nova residência futebolística. Sob a égide do nome do desbravador português, vieram títulos e a consagração popular. O filho do Maranhão caiu nos braços da torcida. Deleitou-se com a fama. Banhado pela euforia dos cruzmaltinos e pelo doce sabor da cevada, Fausto chegou à Seleção Brasileira.

Pouco tempo depois, chegava o primeiro Mundial de Futebol. O planeta suspirava só de pensar em ver todos os grandes jogadores da Terra se confrontando para decidir quem seria o Maior. Tendo como plano de fundo o misterioso e desconhecido universo das Copas do Mundo, a seleção brasileira desembarcava no Uruguai. E coube a Fausto ser o destaque do Brasil na Primeira Copa.

Um time desorganizado e inconseqüente. Uma equipe de homens que sentiram a pressão e que tremeu perante os adversários. Nada disso foi capaz de ofuscar as grandes apresentações de Fausto dos Santos. As atuações individuais do craque vascaíno fizeram com que a torcida e a crítica passassem a chamá-lo de ‘Maravilha Negra’. Apesar das grandes exibições do Meia, o time brasileiro sucumbiu frente aos gélidos iugoslavos. Somente o maravilhoso negro maranhense foi absolvido pelo povo.

Ao voltar para os bares da Aldeia Campista, um sentimento estranho tomou a vida do filho de Dona Rosa. Ser o único respeitado em toda uma lista de selecionados causou um sentimento de Solidão. Para celebrar o clamor popular por seu nome, entornava mais um copo. Para esquecer a eliminação e o desempenho pífio do seu time, tragava mais uma dose. O ritmo de Fausto se tornava cada vez mais alucinante.

Alucinante e estafante. Uma gripe interminável assustava Dona Rosa. Onde já se viu vida assim? Atleta deve esbanjar saúde, ter hábitos disciplinados. Mas Fausto era exatamente o avesso dessa imagem. Mais magro, pálido e festeiro, a Maravilha Negra andava abatida. Fugia de médicos com a mesma eficiência com que escapava dos marcadores. Ouvir um homem de branco era ter a confirmação de uma verdade que era muito menos dolorosa sob a forma de suposição.

As tosses e febres tiraram-no do Mundial de 34. Como que prevendo uma despedida derradeira, foi à Europa para varrer a miséria da vida de sua família. Chegou ao Barcelona com status de astro. E, realmente, emanou luz. Levou o time Azul-Grená a um Campeonato Catalão e apresentou às espanholas o valor da gente da terra do samba.

Encontrou muito nas noites européias. Mulheres, bebidas, glamour. Não obstante, a saudade foi mais forte do que todas as benesses da vida de jogador profissional. Sua família, seu bairro, seus amores e amigos. Tudo estava no Brasil. Após uma rápida passagem no futebol e na noite da Suíça, voltou aos incandescentes paralelepípedos do Norte da Guanabara.

No retorno, o habilidoso meio-campo encontrou portas fechadas no Vasco da Gama. Sem oportunidades no clube em que mais brilhou, teve de encontrar o afago no time Rubro-Negro da Zona Sul. Contudo, ele já não era o mesmo. Incapaz de jogar uma partida completa, os torcedores desconfiavam da abnegação de Fausto. Entretanto, a culpa não era de sua dedicação. A boa e velha gripe se intensificou, privando-lhe até mesmo das suas confidentes madrugadas. As cinzas das horas marcavam o futuro da Maravilha Negra.

Tuberculose. Não adiantou driblar por tanto tempo os médicos, o destino é impiedoso. Como golpe final e irremediável, foi levado para um manicômio no interior do Brasil. Terra de ares limpos, puros e sóbrios. Acompanhado por sua mulher, passou seus últimos dias distante do barulho de seu povo e do movimento de seu ambiente predileto: a Aldeia Campista. Em meio a loucos e enfermos, Fausto disse adeus ao futebol e à festa que pôs em prática nessa vida.

A Aldeia Campista desapareceu. Foi engolida pela expansão comercial da Tijuca. Ninguém mais conhece a região pelo antigo nome. Todavia, é só o Astro-Rei demonstrar o cansaço por mais um dia de luz que o povo das redondezas das terras de Fausto repete a centenária procissão. Aquelas esquinas, que recebem jovens e velhos, ricos e pobres, contam a história do homem que espantou o mundo e que um dia foi chamado de Maravilha Negra. Todos que por ali bebem e celebram a oportunidade de estar respirando, altivos, celebram também, inconscientemente, a vida de Fausto; o símbolo do espírito daquele lugar.


Por Helcio Herbert Neto.