segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um Brado Retumbante



Um feriado frio. O velho sofá rasgado. Mais um Pré-Olímpico de Basquete Masculino. Descrente, lá vou eu apoiar aqueles jogadores, aquelas mesmas figuras que marcaram esse hiato de títulos, esse período em que o Brasil ficou fora de Olimpíadas e longe de boas posições em Campeonatos Mundiais. Por coincidência, foi exatamente nesses tempos de seca que eu me tornei fã do esporte da bola laranja, o que me torna um sofredor convicto.


Um jogo contra a Argentina em Mar del Plata. Sim, a Seleção da Década. Do Mestre Ginobili, que foi uma das pedras fundamentais na colocação da cidade de San Antonio no mapa das grandes equipes da Liga Americana de Basquete. De Scola, com presença inconfundível no garrafão, que gera tremedeiras em marcadores ao redor do mundo. De Oberto, Delfino, Prigioni, Nocioni. Um cenário perfeito para a inércia: mais uma derrota brasileira e a continuação de meu sofrimento, tudo indicava.

E foi só olhar para a feição dos jogadores para que as previsões ficassem mais sólidas. Ao notar mais uma derrota de Tiago Splitter na bola ao alto, ao perceber a seriedade do Alex, o silêncio de Marcelinho Huertas, vi que seria mais um daqueles sofridos jogos de Pré-Olímpico. O sonho de uma vaga em Londres 2012 ficava mais longe, bastava fotografar aquela seleção para constatar.

Um barulho ensurdecedor vinha da torcida. Os argentinos também pensavam como eu. A vitória era certa para aquele time imbatível. O primeiro quarto foi equilibrado, como sempre. Era rotina: começo do jogo, a Seleção Verde e Amarela endurecia, dava pinta de vitoriosa. Mas, ao final, era sempre o mesmo penar. Foi quando notei que não havia nenhum tom de amarelo em jogo.

A Camiseta usada pelos brasileiros era branca. Sim amigos, acredito que para muitos passou despercebido. Não é de agora. Lembro-me bem de que no Mundial do ano passado a seleção já usava a cor branca. Entendi também que toda aquela introspecção da imagem dos jogadores era um reflexo da maturidade daquele grupo já cheio de cicatrizes. Não havia nenhum tipo de temor, de medo. A mudança de uniforme conspira tradicionalmente para uma mudança de espírito de uma equipe.

Depois da derrota para o Uruguai na final da Copa de 50, a seleção brasileira de futebol resolveu mudar de uniforme. Tornou-se a Seleção Canarinho, utilizando a cor amarela na vestimenta de seus atletas. A velha camisa branca ficou aposentada. A partir de então, vieram as vitórias e a História vitoriosa e Pentacampeã que todo mundo conhece.

Enquanto pensava nisso, os minutos foram passando. O Brasil seguia com brio, com gana, sempre próximo da vitória. Quando olhava para o placar, estava tudo muito parelho. Contudo, ao observar a partida, já era sensível a diferença entre as duas equipes. Os astros argentinos foram surpreendidos pela vontade de vencer que aquela equipe que vestia branco trazia no peito. Uma defesa sólida e um banco de reservas com jogadores muito valiosos estremeceram os campeões olímpicos de 2004.

Entretanto, mesmo estremecidos eles são fortes. O jogo foi levado até os últimos instantes. A dificuldade imposta pelo anfitriões gerou uma atmosfera única, um aspecto de decisão para aquele jogo que não passava de mais uma classificatória para as semifinais que definirão que vai para as próximas olimpíadas. No dia da Proclamação da Independência do Brasil, uma partida para entrar na ontologia do esporte nacional.

No fim deu Brasil. Repito: O Brasil ganhou da Argentina. Acabou o jogo. Não consegui entender, não acreditei. Foi quando vi Marcelinho Machado, 36 anos. Em Pré-Olímpicos desde 1999, só teve infelicidades. Ele sorria. Sem aquelas pernas bambas, sem a surpresa com o que estava acontecendo, eles já sabiam que era possível. Aquele momento era o alicerce do começo de um campanha olímpica.

Contudo, essa desconfiança que me marcou me fez aguardar a classificação. Após o Jogo da Independência, no sétimo dia de setembro, escrevi quase tudo isso que vocês já leram. Mas seria mais um fracasso, mais um engano? Aguardei o confronto contra a República Dominicana, o derradeiro confronto pela vaga.

Mais um grande jogo. Novamente vestidos sob os tons da alvos das letras da bandeira nacional, os brasileiros lideraram o jogo em todods os instantes. O adversário, com champanhes e cartas de congratulações nos vestiários, a aguardar a vitória, padeceu perante a frieza do basquetebol europeu dos tropicais. Um jogo coletivo, vistoso, rápido e moderno venceu a qualidade individual dos pivôs caribenhos.

Marcelinho Machado, craque da partida, arremessou a última bola sob lágrimas. O narrador gritou, era o fim. O encerramento de um período de trevas para um dos mais praticados esportes do país. Trevas que impuseram a ditadura de más administrações de cartolas, de esquecimento do basquete. O Brasil retorna aos Cinco Arcos áureos sem uma grande estrela, mas com uma constelação capaz de expurgar a sombra de dias ruins.

Acreditei. Lembrei dos dias que passei a torcer por esses rapazes, os pobres gigantes. Era a hora deles. A prova de que as condições não fazem o homem, de que nada está traçado. Não importa que a competição aconteça em terras inimigas, que os nossos grandes atletas não participem, que tenhamos uma burocrática, incompetente e corrupta confederação. Fazemos a História. E foi isso que aqueles 12 gigantes, sob a batuta de um argentino, fizeram nessa semana: escreveram um dos mais belos capítulos no Livro dos Mitos Desportivos Verde e Amarelo (e Branco).


por Helcio Herbert Neto.

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