sexta-feira, 22 de abril de 2011

Série Marginalizados: Por Ruas e Vielas



Para ouvir ao som de: Cidinho e Doca - Rap da felicidade

Impacientes, fecham suas janelas. Como se não bastasse aguardar pelo retorno do rapaz, após mais uma saída pela Barra da Tijuca, a batida incessante da música da Favela toma conta da madrugada. Na manhã seguinte, além de falar sobre o atraso de seu filho e da imoralidade do baile Funk da noite anterior, a tradicional família de classe média comenta mais uma manchete que tem como tema a vida de Adriano.

Ao som de ritmos como aquele, moradores de comunidades carentes do Rio aproveitam as noites quentes do verão. Ao lado do sagrado futebol, os bailes desse estilo são as únicas opções de entretenimento que essa camada social tem acesso. Alvo de críticas do asfalto, o estilo é acusado de ser machista, vulgar e de fazer apologia ao crime.

Enquanto isso, nos ricos bairros banhados pelo mar, os jovens ouvem a dançante música estrangeira. Apesar das inúmeras opções que suas redondezas e seus bolsos oferecem, eles fazem fila na porta de caras boates. O clima lá dentro é descontraído, muita gente bonita e, claro, um consumo excessivo de álcool e drogas. Dessa maneira, pouca atenção é oferecida a letra das músicas.

Cercada por esses tempos de Big Brother, a música reflete a realidade na qual ela é circunscrita. É impossível analisar o Funk Carioca isoladamente, sem compará-lo com o que é produzido e vivido na atualidade. Dessa forma, os milionários hits americanos que embalam as festas caras da Cidade Maravilhosa e a música que anima a madrugada nos subúrbios trazem a busca pelo prazer que é a tônica de nossa época. De resto, o preconceito com a Batida dos Morros somente comprova a velada hipocrisia que se esconde no Rio de Janeiro. Hipocrisia que tem um forte caráter social.

A abordagem da mídia sobre Adriano também desmascara tal elitismo. Como diversas figuras públicas, o Imperador não soube lidar com o bombardeio midiático que é, verdadeiramente, desumano. Contudo, entre Ronaldos e tantos outros, ele foi o escolhido. Foi selecionado para ser o mais assíduo jogador nas cinzas paginas jornalísticas, extrapolando a seção de esportes.

O Centro-Avante foi coroado em Milão. Após uma saída precoce do Flamengo e de sua realidade, o Atacante se destacou na Itália e ganhou uma vaga no time de Giuseppe Meazza. O sucesso o pôs na Seleção Nacional e na capa das revistas. Era o Grande momento de sua carreira. Não obstante, uma fatalidade mudou o trajeto da carreata do Imperador.

A morte de seu pai lhe virou a cabeça. Tudo aquilo que tinha, que conquistara devido ao seu esforço e abnegação, não seria capaz de trazê-lo de volta. Começou a faltar treinos, engordou, sumiu. Foi se perdendo por aí, vagando por ruas e Champions Leagues. O convocaram para o Mundial, mas quem se apresentou não foi o Imperador. Quem jogou e perdeu a Copa de 2006 foi um mero mortal.

O tempo passou e chegou a hora de sair da Itália. Todos sabiam, ele sabia. A motivação não estava mais lá. Veio ao Brasil, ao seu povo, reencontrou um futebol razoável. Mas o que é razoável para um César é inatingível para os outros. Ele reconquistou um país de dimensões territoriais infindáveis. Após 17 anos, o Flamengo foi Campeão Brasileiro e Adriano chorou.

Ao som do Baile da Vila Cruzeiro, comemorou a grande fase. Lá, todos o tratavam como todo potente. Um herói material e próximo para aquela gente esquecida era algo de sobrenatural. O momento era de êxtase, de explosão e de felicidade. Entretanto, era um simples e efêmero momento. Mais manchetes, mais problemas, mais frustrações e mais despedidas. Seguiu seu caminho pelo mundo.

O Camisa Dez campeão nacional em 2009 contraria a dinâmica usual. A busca pelo retorno às suas origens surpreende a todos. Como voltar ao Complexo do Alemão e deixar a Capital da Moda? Poucos entendem. O dinheiro, para o Imperador, não foi a felicidade. E por isso ele buscou, e ainda busca, a alegria em um recanto inacreditável para a maioria. No Morro, ao lado de sua gente, amigos e familiares, ao som do povo; e claro, ao som de Funk.

É muito mais fácil delegar à rotina controversa do jogador a razão por sua infelicidade. É muito mais fácil delegar ao Funk a razão pela baderna nas comunidades. Porém, são questões muito mais complexas. Trata-se de verdades que, geralmente, preferimos não levar em conta. Criamos parábolas, histórias fantasiosas capazes de preencher as lacunas de respostas que não conseguimos dar.

Feche a janela, ligue a TV, volte a rotina. Entre acreditar que o Mundo está de cabeça para baixo, em uma incontrolável busca de prazer e crer que a favela é a origem de todo mal, jogue a culpa para o lado pobre da Cidade Partida. Entre ver que ninguém escapa ao peso de viver em busca de um lugar chamado felicidade e fingir que Adriano é o único a caminhar errante pela vida, não compreenda o Imperador. É mai fácil virar para o lado e voltar a dormir.

Por Helcio Herbert Neto.

Um comentário:

  1. Bom dia Helcio!Adriano é massacrado porque é um símbolo,porque anda por aí pelo avesso esfregando na nossa cara as contradições que sempre ficaram mais ¨bonitas¨em personagens fictícios ou embaixo de grossos e felpudos tapetes.É assim tb com o funk,a favela falando dala mesma e claro,preto,pobre e semi-analfabeto não pode tecer tratados sociologicos sobre a estrutura de suas vidas,isso cabe a ¨intelectuais¨que nunca passaram um dia na comunidade.Lendo seu texto,me recordei de outro que li no blog de um jornalista do Estadão,falando dessa coisa esquisita que parece estar tomando conta do país:os jogos de torcida única.Com o argumento de que a violência entre torcidas é incontrolavel,a solução mais prática é estádios vazios,por conta de dias e horários inimagináveis ou preços proibitivos,ou a liberação de ingressos para uma única torcida.Claro que a violência no futebol é um fato e não pode ser tratada de maneira leviana mas daí a achar que suprimindo um elemento e quem de direito se eximindo da resoonsabilidade,vai mudar a situação é um pouco demais.Como vc disse,é só mais um jeito de fechar a janela,virar para o lado e continuar dormindo.Infelizmente,somos mestres em acreditar que fingir que algo não existe faz com que,milagrosamente,ele suma de nossas vistas.Adorei o texto,abraços mil,Anna Kaum.

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