quinta-feira, 8 de julho de 2010

Copa ao avesso; para se reapaixonar


Holanda e Espanha, Espanha e Holanda. Final inédita, campeã inédita.
11 de junho 2010: a questionadíssima Jabulani é rolada, dando início a Copa do Mundo de 2010 que, para muitos (eu inclusive), seria a confirmação de que Copa perdeu a graça. Tomando como verdade absoluta a falta de vontade de muitos craques e o baixíssimo nível da Copa de 2006, acabamos subestimando o poder dessa competição mágica. O velho papo do futebol globalizado, da naturalização de vários jogadores, da falta de patriotismo, dentre outras desculpas.
Sorte a minha ter acompanhado a cerimônia de abertura inteira e ter sentido, mesmo que pela televisão, toda a energia que o povo africano transmitiria à Copa e aos jogadores que dela fizessem parte. Naquele momento percebi que haveria algo de diferente na 19ª edição do torneio, só não sabia o quê.


Quase que meu pressentimento vai por água abaixo com a ínfima média de gols da primeira rodada (1,56 por jogo). Porém, passado o nervosismo da estreia, o nível subiu bastante e os gols começaram a aparecer, aparecer... Até que a primeira fase se encerrou mais rapidamente do que um “cérebro futebolista” é capaz de assimilar a eliminação das duas finalistas da última Copa. A Itália ultrapassada, pesada, presa, e a França em crise, sob o comando do patético Raymond Domenech, deram um adeus precoce. A vaga que teoricamente seria da França poderia colocar os anfitriões Bafana Bafana num inédito mata-mata. Mas faltou futebol e, pela primeira vez na história das Copas, o país sede estava eliminado na primeira fase. Pouco se importando com os pêsames alheios, um gigante adormecido despertava neste mesmo grupo. O Uruguai, bicampeão mundial, mas que das últimas quatro Copas havia disputado apenas uma, sendo eliminado na fase de grupos, estava de volta.
Os africanos viram a seleção da África do Sul, Nigéria, Camarões e Costa do Marfim cair uma a uma, apenas lhes restando Gana nas oitavas de final. A Ásia acompanhou a eliminação da surpreendente Coreia do Norte e a classificação de Japão e Coreia do Sul, como era de se esperar. O Velho Continente tremeu com as eliminações de França e Itália e as classificações suadas de Alemanha, Inglaterra e Espanha. A Oceania, que dispensaria comentários não fosse eu tão correto, não progrediu. E, por fim, a América, que assombrou a Copa ao classificar sete de seus oitos representantes (porque novamente fui gentil e contei Honduras).


Começava a fase mata-mata, começava a Copa de verdade. O Uruguai bateu a Coreia com a “faca entre os dentes” e avançou às quartas-de-final, o que não ocorria desde 1970. Gana, na prorrogação, conseguiu se livrar da enjoada seleção norte-americana, que resolveu tomar gosto pelo soccer e dar trabalho para os demais. Um dia depois, Alemanha e Inglaterra protagonizaram um jogo antológico não só pelo gol não validado da seleção inglesa, mas pelo nível técnico em campo. Como disse, a fase mata-mata é outra Copa e uma nova Alemanha apareceu: mais solta do que na primeira fase, jogou uma partida impecável, com um futebol belíssimo e, cirurgicamente, goleou por 4 a 1 os heróis da rainha, evidenciando a primeira grande decepção individual da Copa: Wayne Rooney, apontado como um dos principais craques do mundial. Horas depois, a Argentina, apesar do gol irregular, não teve dificuldades para bater o fraco, porém brigador time mexicano. Estava formado o confronto que muitos apontaram como final antecipada. Os alemães jogando um surpreendente futebol arte e revelando para o mundo seus jovens talentos, Özil e Müller, ao lado de Schwesteinger e do artilheiro de Copas, Klose, contra uma Argentina bem aproveitada pelo irreverente Maradona: totalmente ofensiva, aproveitando seu ponto forte nos pés de Messi e escondendo o fraco (a defesa).
A Holanda, segura na primeira fase, teve mais trabalho do que poderia imaginar com a azarona Eslováquia, mas, no fim das contas, acabou sobrando futebol para a talentosa seleção holandesa e as quartas, muito provavelmente com o Brasil, ficou carimbada. Chega a vez da nossa seleção que, muito criticada, não convenceu na primeira fase, porém cumpriu seu papel com o comprometimento prometido pelo Coronel Dunga. Jogando pouquíssimo futebol, o Brasil teve sorte do treinador do Chile ser “Loco” Bielsa e querer partir para cima. Logo o espaço apareceu na defesa chilena e a seleção brasileira fez um, dois, três, liquidando o confronto.
No último dia das oitavas, Paraguai e Japão suaram sangue, não saíram do zero a zero e, nos pênaltis, mais um sulamericano estava classificado. Espanha e Portugal não fizeram o jogo que lhes era esperado, principalmente pela fraqueza da seleção portuguesa e de seu craque Cristiano Ronaldo, que foi a segunda decepção da Copa, provando-se mais modelo do que jogador de futebol ao entrar em campo.


Brasil e Holanda deram início às quartas-de-final: ironicamente o melhor início de partida da seleção na Copa, abrindo o placar logo aos dez minutos e complicando o trabalho holandês. Infelizmente, sou obrigado a concordar com Muricy Ramalho, e a bola puniu o Brasil em um “gol achado” em uma falha de Felipe Melo com Júlio César depois de cruzamento na área. Desnorteada, a defesa brasileira não acompanhou a jogada ensaiada em escanteio e estava instalado o caos: 2 a 1. Felipe Melo se torna vilão absoluto da partida e da Copa ao ser expulso por um pisão inexplicável em Robben e complica ainda mais a situação. O Brasil passa longe de mostrar algum poder de reação e é eliminado mais uma vez nas quartas. Cai mais um craque: Kaká.
Ainda chocado pela eliminação verde e amarela, o mundo se voltou para Uruguai e Gana, confronto de menos técnica e mais raça, disposição. Nem o mais otimista dos espectadores poderia prever tanto drama, tanta história sendo escrita em tempo real quando o jogo foi para a prorrogação. Aos exatos 16 minutos do segundo tempo de prorrogação, depois de bate-rebate na área uruguaia e finalização sem goleiro, Luis Suárez, atacante celeste, numa tentativa desesperada de salvar a pátria, dá um soco na bola em cima da linha. Suárez expulso e pênalti para Gana nos acréscimos. Gyan, bom jogador ganês, tem a chance de colocar seu país e o continente africano em uma inédita semifinal de Copa. Luisito Suárez, também bom jogador uruguaio, observa à beira do campo a penalidade bater na trave e seu nome entrar para a história das Copas como “mão santa”. Já havia uma expressão de derrota no rosto dos ganeses na disputa por pênaltis antes mesmo de ela terminar. Assim como já havia uma expressão de certeza quando “Loco” Abreu bateu a última cobrança com a mesma “cavadinha” da final do Campeonato Carioca e entrou junto com Suárez para mais um capítulo celestial da história das Copas.
A Alemanha seguiu espantando o mundo ao não dar nem chance para a tão cotada Argentina, com um sonoro 4 a 0. Marcação forte e contra-ataques fulminantes na velocidade e na qualidade de seus jovens talentos viraram a marca do time a ser batido em 2010. Cai Messi, que longe de ser uma decepção como os outros, rendeu menos do que se esperava do melhor do mundo, não tendo marcado nenhum gol.
Em Johannesburgo, quando a Espanha esperava controlar o jogo ao encontrar um Paraguai recuado, foi tudo ao contrário. Assustada com o volume de jogo de um adversário que efetuou cinco alterações antes da partida, a Fúria não conseguiu jogar. Entre os minutos 16 e 18 do segundo tempo o jogo também entrou para o “vídeo” da Copa: pênalti para o Paraguai, a chance real da zebra pintar. Óscar Cardozo desperdiça a oportunidade e, no contra golpe espanhol, penalidade novamente. Xabi Alonso também cobra nas mãos do goleiro e segue tudo igual até David Villa, destaque da Espanha na Copa, marcar o gol que colocou a Fúria no caminho da poderosa Alemanha. Óscar Cardozo, ajoelhado no gramado, chora copiosamente, carregando nas lágrimas a mesma culpa das lágrimas de Gyan, de Gana: a da eliminação de um país sem tradição que sentiu a semifinal escorregar por entre os dedos.


Semifinal, Cidade do Cabo, o azarão Uruguai, que já havia chegado mais longe do que qualquer um poderia prever, contra a favorita Holanda. Impecável nas eliminatórias e com 100% de aproveitamento na Copa, por mais que o futebol não fosse o mais convincente da competição, o time jogou sempre de forma ofensiva e aplicada taticamente. Saíram na frente com o gol mais bonito da Copa do Mundo, mas a Celeste, desfalcada do capitão Lugano e de Suárez, correu atrás do prejuízo e empatou o jogo. A Holanda dominou as ações da partida e, apesar da valentia uruguaia, acabou fazendo o segundo e o terceiro. Aos 46 minutos, quando o curto tempo e o cansaço indicavam o fim, o gol de Maxi Pereira acendeu a chama uruguaia e os holandeses passaram os piores três minutos da Copa para, em fim, comemorarem a vaga na final depois de trinta e dois anos de espera.
Hoje, 7 de julho. Alemanha e Espanha. Acreditei no peso da camisa e me enganei novamente. Desde o início do jogo a Fúria ditou o ritmo e colocou a fortíssima seleção alemã, desfalcada de Müller, na roda. Sem conseguir encaixar seus contra-ataques, a Alemanha se viu envolvida por um time que joga muito solto e dá gosto de ver. O gol, apesar de custar, saiu de forma tão natural que nem pareceu que em algum momento o jogo esteve empatado. Honrosamente a Alemanha se despediu da Copa. Depois da Espanha, foi a seleção a apresentar o futebol mais prazeroso de se acompanhar, apesar de duramente criticada antes do Mundial.
Copa do Mundo sensacional, incontestável. Não faltaram jogos épicos e cheios de emoção, que ficarão marcados na história. Não faltou comprometimento por parte de nenhuma seleção ou jogador. A entrega de todos em campo, o sacrifício dos recém recuperados de lesão como Drogba, Fernando Torres, Kaká, dentre outros. Isso tudo prova que por mais que todos na Copa se conheçam, joguem juntos, joguem contra, quando se veste a camisa do seu país a coisa é diferente. E não faltaram surpresas para virar a Copa do Mundo ao avesso, como a troca que Alemanha e Brasil fizeram no estilo de jogo, a primeira encantando e a segunda jogando futebol resultado, sem arte alguma. Como Paraguai entre as oito melhores e Uruguai entre as quatro, como melhor sulamericana. Como o fiasco dos craques badalados como Rooney, Cristiano Ronaldo, Kaká e o destaque de bons jogadores bem menos “capa de revista”, como Schwesteinger, Snjeider, Villa, Forlán, dentre outros.

Termino esse resumo da Copa na madrugada desta quarta-feira, antes da final e disputa de terceiro lugar, até para não me deixar influenciar pelos resultados.
Duas grandes seleções que não tiveram seu futebol questionado em momento algum, mas que tiveram o poder de chegada, de decisão e o peso da camisa sempre postos à prova. Está aí para os que não acreditavam. Holanda e Espanha, Espanha e Holanda. Que vença o melhor!


Por Roberto Passeri.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Valeu Beto. Gostei.
    Só gostaria de sugerir um tema: O assassinato do futebol africano que começou, há 3 ou 4 Copas e mais Olimpíadas, com futebol-arte, moleque e até irresponsável, mas prazeroso de ver e foi contratando técnicos suecos, alemães, ingleses e hj pratica um futebol sem característica definida. Assim, padecem Nigéria, Camarões, Costa do Marfim...
    E não se pode falar que a safra de jogadores não é boa, haja vista Drogba, Obin...ou melhor, Etoo e outros.
    Parabéns e continuem postando. Tô atento e se falarem m... rebato na hora.kkkkkkk

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